*Rangel Alves da
Costa
E de
repente, no ruflar das asas da borboleta, a ventania se fez, a folha se fez, o
outono chegou e tudo mudou de repente. Ninguém diria que soprar tão leve
pudesse dar início ao completamente inesperado. Mas assim acontece: as
fragilidades possuem efeitos devastadores.
Assim na
asa da borboleta, na brisa que sopra, na pessoa. Em certas pessoas, quando o
olhar avista apenas a fragilidade, certamente não imagina o que nela se esconde
com tamanha força de provocar tempestades.
É como a
água que ninguém sabe fervente e o leve faz tremer. É como a frágil teia de
aranha, porém tão forte que ali sustenta mil vidas. Mas que também pode
sucumbir com um leve toque de mão. É como a folha orvalhada que espera o sol e
não suporta o sol. Logo se desfaz.
Feições
assim são encontradas em algumas pessoas. Em apenas algumas, pois não é fácil
encontrar aquelas que carregam tanto segredos e mistérios em si que as
tentativas de descobertas logo provocam atitudes inesperadas.
Gente
existe que com tudo parece que vai partir, que vai quebrar, que vai estraçalhar
por inteiro. Existem pessoas assim: tocadas demais com os acontecimentos mais
simples que logo parecem tendentes a despedaçar.
Não
significa, contudo, fragilidade ou fraqueza. As pessoas até que são fortes
demais, firmes e resolutas, mas nunca suportam ser afetadas por qualquer coisa.
Então tudo fica igual a folha seca ao sabor da ventania.
Há, na
verdade, uma frágil delicadeza, uma sensibilidade extremada, uma brandura nunca
acostumada com os espinhos e punhais ao redor. Por isso mesmo que até mesmo a
palavra do outro poderá lhe servir como arma apontada.
Há nestas
pessoas uma sensibilidade diferente, uma capacidade de sentimentalizar-se além
da normalidade nas demais pessoas. São também demasiadamente emotivas,
demasiadamente carentes de afetos, de carinho e de compreensão.
Numa
metáfora, eu poderia dizer que são pessoas de vidro. E do mais fino vitral, do
mais tênue cristal, de papel-manteiga, de asas de borboleta, da mais
translúcida transparência. São pessoas que se partem perlo eco, que estilhaçam
no vento, que tilintam já correndo o risco de desabar.
Conheço
uma menina - e que, aliás, é minha namorada - toda feita de vidro. Também
poderia ser de cristal ou de louça refinada. Mas também poderia ser de algodão
doce, de nuvem, de pluma, de leve brisa. Minha namorada é tão cristalina que às
vezes avisto suas iras do outro lado.
Em minha
namorada há uma louça quebradiça sem igual. O seu vidro é tão fino, tão
transparente e tão frágil, que até o vinho derramado sobre ele pode doer na
alma. E quando dói o cristal se parte em mil pedaços, se dissolve e se dilui,
em pó se transforma.
Por isso
que tenho o maior cuidado de não soprar enraivecimentos perto de minha
namorada. Tenho a máxima preocupação em jamais ser uma brisa mais afoita ou
mesmo leve ventania. Nunca duvido que ela mesma adivinhe o que possa ameaçar
sua calma.
Minha
namorada - a menina de vidro - é de uma sensibilidade à flor da pele. Tenho
medo que se sinta ameaçada pela gota de orvalho, pelo pingo de chuva, pelo meu
sussurro. Acaso eu levante a voz um pouco mais, então será certeza de o cálice
logo esvoaçar e até me ferir.
Mas por
que assim, alguém poderia indagar. E logo eu responderia: simplesmente por que
carrega em si tamanha sensibilidade que a mínima afetação já a coloca em perigo
de se quebrar, de sumir, de evaporar.
E ao meu
lado já se partiu várias vezes, já me feriu, já me sangrou. Mas ao contrário de
varrer tudo e jogar fora os mil pedaços, eis que me vejo juntado tudo
novamente, com amor e carinho. Mesmo tendo a certeza que mais tarde o cálice se
partirá novamente.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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