*Rangel Alves da
Costa
Tem razão
o livro bíblico do Eclesiastes: nada acontece de novo debaixo do sol. Eis o que
diz: Que proveito tem o homem, de todo o seu trabalho, que faz debaixo do sol? Nasce
o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu. O que
foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há
de novo debaixo do sol.
Abro a
janela, ponho-me ao umbral, lanço o olhar adiante e começo a refletir que
realmente nada de novo há debaixo do sol. Abro a porta, caminho pelos
arredores, alongo a vista pelos horizontes, simplesmente para mais uma vez
reconhecer que nada acontece de novo debaixo do sol. Tudo como já escrito nos
livros antigos, tudo como já acontecido noutros tempos, tudo apenas se
repetindo com antigas e novas feições.
Há de se
ver que o sol se repete sempre naquelas bandas de aridez e sofrimento chamadas
sertão. Fala-se nas grandes secas de 2015 e tantas outras de vultosas
devastações, e agora mesmo se fala numa estiagem de iguais proporções. Mesmo
com novas feições, os mesmos sofrimentos se repetem no homem, no bicho, na
terra. Assim, no gado de couro e osso de hoje ainda se ouve o eco daquele berro
de despedida de outros tempos.
O que
acontece de novo quando se fala em grandes secas dizimando sertões inteiros?
Absolutamente nada. O que foi ainda é, como um dia aconteceu agora tudo se
repete, ainda que as tecnologias humanas tenham avançado muito na resolução dos
problemas da estiagem. Contudo, o que sempre se observa são as mesmas e
ineficazes ações se repetindo, as mesmas esmolas sendo repassadas ao povo, a
mesma humilhação imposta ao pobre ao pobre e calejado homem da terra.
Nada de
novo debaixo do sol sertanejo. As águas dos rios tão próximas e parecendo de
distâncias impraticáveis, os tanques secos e tomados de barro duro e as
máquinas eleitoreiras cavando mais para se dizer que alguma coisa está sendo
feita. Os carros-pipa são os mesmos e nos mesmos percursos das estradas tão
esburacadas como noutros tempos. As paisagens esturricadas, acinzentadas de
fogo e de sol, são as mesmas dos primeiros tempos. A mesma secura da terra, a
mesma magreza no bicho, o mesmo sofrimento no homem. E todas as promessas novas
surgidas não passam de repetição daquelas mesmas lorotas políticas surgidas em
tempos assim. Nada acontece de novo debaixo do sol sertanejo.
Pelos idos
de 1877, durando mais de dois anos, o sertão teve que suportar a denominada “Grande
Seca”. Já em 1890, a fome dizimava quase metade da população cearense. Após tal
episódio devastador, o imperador Dom Pedro II fez ecoar a célebre frase: "Não
restará uma única joia na Coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome".
Com efeito, algumas medidas emergenciais foram tomadas para combater o
problema. Mas nos anos seguintes, com a chegada das constantes e duradouras
estiagens, logo se percebeu que o problema, além de não ter sido solucionado,
aumentava o sofrimento sertanejo. Comprovado estava que as secas nordestinas somente
eram tidas como problemas a serem resolvidos nos seus instantes mais
alarmantes.
E quantas
outras grandes secas surgiram sem que outras soluções chegassem senão as
emergenciais? Ora, nada de novo de novo acontece debaixo do sol sertanejo. A
cada nova seca e a mesma cuia de esmola, a mesma humilhação, a mesma troca de
favores eleitoreiros por uma carrada d’água, a mesma dependência por conta de
um quilo gorgulhento de arroz ou de feijão. Se antigamente o governo enviava
cestas de fubá quarentinha, jabá e mortadela de quinta e outros alimentos de
bicho engulhar, hoje a situação não é diferente, pois tudo esmola e com a mesma
finalidade de submeter o homem através de seu estado de absoluta carência.
Como diria
o livro bíblico, o Eclesiastes medita do alto de seu monte e entristecido
reconhece nada, absolutamente nada, haver de novo debaixo do sol. Contudo, ao
contrário da ação pendular da vida humana, onde tudo nasce e tudo morre, onde a
tristeza chama a alegria e onde tudo que seca se mostra novamente pujante, o
mesmo parece não ocorrer com o sofrimento sertanejo perante seu eterno estado
de dependência do clima e do homem. Não vem a seca e depois a fartura, nunca
vem a calamidade e depois o duradouro renascimento, mas sempre a esperança que
a chuva chegue apenas para amenizar as dores de bichos e seres humanos.
No sertão,
a verdade é que não se aprende a conviver com a seca, pois não há como ser
educado no sofrimento. O aprendizado que há - e tudo na inventividade de
sobrevivência sertaneja - diz respeito a cultivar a fé, seja perante o bicho
caindo de fraqueza ou diante do menino choroso sem comida no prato. Mas como
apenas a fé não mata nem a sede nem a fome, o que o homem faz é chamar para si
a certeza de que amanhã haverá pingo d’água, depois a semente lançada na terra,
e ainda depois a comida no fogo. E por isso mesmo cata folha e pinica carne de
cacto para matar a fome do dia. E sempre assim, pois nada acontece de novo
debaixo daquele sol sertanejo.
Escritor
Membro da Academia de Letras
de Aracaju
blograngel-sertao.blogspot.com
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