*Rangel Alves da Costa
As filosofias que nascem insones. Pensamentos
vagos que tomam forma e viajam. E de repente o pensador já saiu de si para
meditações no alto do monte. Na mente um livro e na ideia uma estrada. E
avista-se o profeta nos nossos vazios.
Ser ou não ser, ter ou não ter, o que sou e o
que somos nós, o que fazemos aqui e para onde vamos? Perguntas e dúvidas,
respostas sem fim e quase nada encontrado que responda o que se deseja saber:
sou a metade cheia ou a metade vazia do copo?
Numa metade a dúvida e na outra o nada. Mas
em tudo a ideia querendo ser preenchida. Tudo o que se sabe é um nada saber,
toda ignorância é um saber demais, afinal de contas o livro do homem continua
em branco, assim como sua vida e como deva ser.
Já não sei se quero ilhas ou quero multidões.
Também não sei se quero distâncias ou proximidades, convívio ou desolação.
Talvez bastasse estar em paz em qualquer lugar. Mas em qual lugar?
Prefiro os silêncios às vozes, aos barulhos,
aos murmúrios. Porém sei que é impossível calar o mundo. Sempre haverá um grito
por todo lugar. À noite, quando mais desejo a calma silenciosa, eis que os
gatos ecoam seus gemidos de dor e prazer.
Tomo um café forte, quente, sem açúcar, pelo
simples prazer da bebida. Não apenas um, mas muitos cafés desde o acordar ainda
antes do cantar do galo. Depois acendo um cigarro e fico meditando sobre as
dores do mundo.
Nietzsche tinha razão. Schopenhauer também.
Tudo é ilusão. Não há, no viver, nada além de uma tábua de faquir e de um
braseiro lanhando de fogo a pele. Daí que não há profeta ou filósofo que não
chore à beira do rio.
Mas refletir muito atormenta a alma já
transtornada até mesmo pelas simplicidades. Nada mais parece causar prazer,
contentamento, a paz merecida. Em tudo, apenas o medo, a agonia, a angústia, a
ficção. Um mundo acorrentado e sem saída.
Gosto quando chove na madrugada por que o seu
som toma a voz de todos os outros sons. Mas também pela sua feição melancólica
a cada pingo. Certamente que são lágrimas desprendidas de qualquer face oculta.
Que pode ser a minha ou de qualquer um.
Queria pegar o sol com a mão e sentir seu
calor. Talvez seja frio demais se espalhado na mão. Já a lua eu sei que é
quente, chamejante, ardente demais. E sei por que não há luar que não traga na
sua luz uma nostalgia profundamente angustiante.
Delírios, insanidades, distúrbios,
enlouquecimento? Não. Ou sim. Ora, a razão se perdeu e em seu lugar permaneceu
apenas a conveniência. E não há como ter sanidade se ao redor tudo enlouquece e
em pesadelo se transforma.
Ainda assim eu gosto de meditar. Os pombos e
as folhas mortas da amendoeira sabem bem disso. Logo ao amanhecer, mas
principalmente ao entardecer, sento-me no velho banco defronte aquilo que um
dia já foi um jardim.
As horas passam que nem sinto. Os pombos me
chegam e contam segredos. As folhas mortas me recobrem como se desejassem
esconder os meus olhos molhados. Em instantes assim, talvez até eu converse
sozinho, dialogue comigo mesmo, mas nunca me perguntei sobre o que tanto falo.
Então vem a ventania e deixa tudo ainda mais
entristecido. As folhas são levadas como se fossem apenas restos. E realmente
são. Os outonos são enfermidades que abrem túmulos e provocam tristezas e
dores. Pelos arredores, uivos e murmúrios de outras folhagens e dos ocultos que
permanecem como almas encantadas.
Além da tristeza mais triste, muito triste é
conviver com jardins desolados, ressequidos, sem flores. Pelos canteiros apenas
as recordações, as saudades, as relembranças. Talvez seja por isso que a janela
adiante não é mais aberta. Não há mais borboletas, pássaros, gafanhotos. Nada.
Somente o entristecimento da solidão.
Talvez um dia eu escreva alguma coisa sobre o
nada no ser. O livro do nada contando tudo sobre o absolutamente nada. Mas nem
tudo vazio assim. Certamente que numa página estará escrito que à frente havia
uma porta esperando ser aberta. Noutra página, dizendo sobre uma estrada
adiante. E noutra mais sobre a distância de tudo.
Mas não há folha de papel onde vivo e as
folhas da amendoeira já foram levadas ao vento. Nada posso guardar no olhar.
Tudo se molha, tudo escorre, tudo se vai. Nada posso guardar em mim ou dentro
de mim. A solidão tomou todos os espaços.
E assim a vida vai. Um viver, apenas... Ou
não.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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