Rangel Alves da
Costa*
Final do
inverno e início da primavera traz consigo não só esperança de novos dias com a
estação mais florida, mas também a chegada de visitantes indesejáveis. Dentre
estes se sobressaem a mudança climática, com a volta de tempos mais quentes e a
aproximação dos dias de calor insuportável, e também a visita dos grilos
estridentes e detestáveis. E insuportáveis, principalmente.
Mas também
é o período que outros assemelhados aos insetos grilídeos, não menos estridentes
e enjoativos, começam suas cantigas azucrinantes, vez que se aproximando o
período fértil das composições para as eleições do próximo ano. Eis que
assemelhados aos grilos são os políticos em busca de acasalamento, flertando
dentre os partidos, espalhando pela mídia como realizações aquilo que jamais
fizeram. Igualmente aos insetos, também atazanam os ouvidos com seus engodos
verbais.
Os grilos
são insetos caseiros, próprios das residências, nunca desaparecem totalmente
nem deixam de cortar os silêncios com os seus inconfundíveis sons. Noutras
épocas, dificilmente alguém consegue avistá-los, pois sempre escondidos pelas
frestas, nos ocos dos paus, embaixo ou dentro de qualquer coisa. Não vê, mas
não consegue deixar de ouvir suas presenças. Instante a instante, o dia
inteiro. Político também faz assim, pois passa a maioria do tempo recolhido nas
suas tocas.
Mas agora
a coisa está exagerada, pois a petulância dos insetos chega a ser entediante e
intolerável. Desafiadoramente, e aos montes, saem de seus esconderijos, entram
pelas portas e janelas e, sempre entoando suas estridências, se instalam por
todos os lugares. Debaixo dos lençóis, dentro dos sapatos, armários, gavetas,
estantes, por todo lugar eles buscam abrigo. A sorte maior é que não decidem,
conjuntamente, ressoar a sinfonia irritadiça.
É neste
período do ano, pois, que os grilos surgem como verdadeira praga. A Bíblia
trata da invasão de insetos como castigo divino. Gafanhotos saem pela terra para castigar
infiéis e mostrar onde reside o verdadeiro poder. “E cobrirão a face da terra,
de modo que não se poderá ver a terra; e eles comerão o restante que escapou;
também comerão toda a árvore que vos cresce no campo. E encherão as tuas casas,
e as casas de todos os teus servos e as casas de todos os egípcios”. Está
escrito no capítulo 10 do Êxodo.
Descrição
bíblica de praga tão apropriada aos dias atuais. Os grilos que agora invadem
tudo são meros exemplos de outras pragas que cotidianamente são suportadas,
principalmente a praga que surge nos horizontes ao se aproximar um pleito
eleitoral. Considerando que praga é também aquilo que importuna, então os
alaridos e cricricris dos políticos em busca de acasalamento partidário se
torna algo verdadeiramente desafiador aos que ainda se iludem com moral partidária.
Aliás, político
realmente parece ser da família dos grilos. E vice-versa. Estes são insetos noturnos
na sua normalidade, soltam seus cantos em busca de parceiros, são de cor parda,
com par de antenas e saltadores. Algo a ver com o político, principalmente no
que se refere aos hábitos noturnos para os acertos eleitoreiros, sua conhecida
e apaixonada cantiga, sua cor parda exatamente para transformar-se noutra cor
segundo a conveniência? E creio que não precisa dizer nada sobre ser saltador,
viver pulando de canto a outro, de partido em partido, de agrupamento a
agrupamento.
E os dois,
o político e o grilo, são mestres absolutos na sua insuportável cantiga, na sua
expressão através das vozes inconfundíveis. Os grilos chirriam, crilam,
estridulam, estrilam, guizalham, trilam, tritrilam, tritrinam, são donos
daquele cricri que faz enlouquecer qualquer um. E não são diferentes os sons
emitidos pelos políticos, e tanto é verdade que ninguém suporta ouvir a sua
detestável ladainha.
Grilos
danados de chatos são estes políticos. Se o cricri de agora já começa a
incomodar, que se imagine mais adiante, já no percurso do ano eleitoral. Se de
suas tocas já fazem barulho demais, ferindo a audição e atentando contra a
imaginação daqueles que têm bom senso, aporrinhação insuportável será quando as
cantilenas de bondades começarem a ser ecoadas como pragas pelo ar.
Verdade é
que tudo que se repete no dia a dia, ecoando nos ouvidos de forma enfadonha e
indesejável, não deixa de ser uma espécie de cantiga de grilo. E neste ano de
início de conchavos e arrumações político-partidárias, trocas de siglas, de
acusações mais contundentes, de defesas exacerbadas do indefensável, de
promessas e velhas cantilenas, as notícias envolvendo o mundo político passam a
ressoar como pragas dos tempos modernos.
Não há,
pois, como não confundir a política como uma praga e o grilo como um político. Daí
que a partir desse período, com inevitável acréscimo no ano eleitoral que se
avizinha, a barulheira impregnará de promessas e afirmações pouco confiáveis
todo e qualquer cidadão. E o pior é que, igualmente o grilo, o político nunca
reconhece que já está chateando demais.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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