Rangel Alves da
Costa*
Anestésio
Quiró, apenas um sujeito na vida, como ele mesmo gosta de se definir, na
verdade é o que se pode chamar de passividade em pessoa ou tanto faz ainda que
doa e sangre. É reconhecido, cantado e decantado - sem que a isso jamais dê a
mínima - como aquele que sempre está conformado com tudo que aconteça consigo e
ao redor.
Por isso
mesmo, talvez não haja indivíduo que mais ande, ainda que inconsciente, na
estrita obediência dos caminhos do destino. Ao achar que tudo está bom, está
dentro da normalidade, que é assim mesmo, acaba revelando ser desse jeito
porque não nasceu para ser contrário ao que lhe foi reservado na vida e agir de
modo diferente.
Mas chega
a ser insuportável a indiferença de Anestésio Quiró, correspondendo muito bem
ao seu nome que remete à anestesia ou privação mais ou menos completa da
sensibilidade. E as provas estão nas atitudes tomadas pelo homem. Acaso um
tijolo caia sobre sua cabeça e logo justificará um sinal vindo do céu; se nunca
pode comprar aquilo que tanto almeja é porque não nasceu para ser merecedor
daquele objeto. E assim vai Anestésio na conformidade da vida e com tudo se
conformando.
Com
efeito, a passividade e o conformismo são algumas de suas mais visíveis
características. As outras permanecem inalteradas, adormecidas na sua contumaz
indiferença. Não há nada no mundo, que surja como tragédia ou bonança, que
possa afetar seu senso de humor, pois continua sempre o mesmo e como se nada
daquilo tivesse acontecido. Daí que nem adianta esperar que critique alguma
coisa ou situação que nada ouvirá de sua boca. A não ser que é assim mesmo.
Anestésio
não demonstra preocupação com absolutamente nada, se comporta de modo
totalmente impassível, não se interessa por nada de novo, não diz que está doce
ou salgado demais. Apenas que está bom. Não torce por qualquer time porque não
possui entusiasmo suficiente para comemorar as vitórias ou reclamar do fraco desempenho.
Um dia lhe perguntaram se achava bonita a flor e ele apenas respondeu que uma
flor é uma flor. E repetiu que uma flor é uma flor.
Sua falta
de ânimo espiritual é reconhecida além fronteiras. Não é preguiçoso nem
esquecido, mas também não mostra estar encorajado em qualquer coisa que faça.
Faz e faz mais, mas é como uma máquina repetindo procedimentos ou programada
para a frieza do passo seguinte. Daí ser metódico demais, indo sempre pelo
mesmo caminho, na mesma hora, que faça sol de lascar ou chova canivete. Abre a
janela e possui o mesmo olhar para a manhã tempestuosa ou ensolarada.
Como se
depreende, abraça a sorte como abraça a infelicidade, olha com o mesmo brilho no
olhar o sereno e o exagero das nuvens, não tem comportamento diferenciado
diante da tragédia ou do maravilhoso festim. O seu exagerado conformismo o faz
sempre abraçado às causas prevalecentes no momento. Como não opina nem critica,
acaba aceitando de bom tom os aumentos exagerados e até tudo que lhe diminua a
qualidade de vida.
Contudo,
alguém já percebeu que se excetuando algumas situações conflitantes, onde não
há ser humano consciente que possa manter-se indiferente, a verdade é que o
senhor Anestésio vive num mundo maravilhoso. E admirável mundo anestesiano
porque longe de estar envolto a tantas preocupações, problemas e infinitos
aborrecimentos. Assim, o mundo de Anestésio seria o lugar onde apenas se vive
tranquilamente e em obediência aos desígnios, até que a sorte chame para um
lugar melhor.
Maravilhoso
mundo anestesiano aonde o aumento das tarifas e alimentos não chega como
pontada no peito da pobreza; onde a aceleração da violência e a contínua
diminuição na qualidade de vida não causam tanta perplexidade; onde as notícias
sobre corrupção, improbidades e outros crimes das altas esferas de poder não
chegam como momentâneas revoltas e indignações; onde as promessas políticas
jamais são ouvidas e acreditadas porque já nascem desabonadas; onde o povo vive
refém das imposições governamentais porque só se lembra de bradar nas campanhas
políticas, e em defesa de seus algozes.
Maravilhoso
ou não, verdade é que o mundo de Anestésio é realmente diferenciado. E isso
provoca reações as mais adversas e o torna um indivíduo de poucos amigos. E um
desses amigos, tentando a todo custo obter uma resposta mais alongada sobre os
motivos de se manter assim tão indiferente a tudo e a todos, um dia conseguiu,
enfim, ser atendido.
E eis a
resposta anestesiana: Ora, sou como toda a população brasileira. Como todo
mundo faz, acabo aceitando tudo que acontece e pronto. Só me diferencio porque
não minto pra mim mesmo. Não adianta reclamar, esbravejar, prometer ódios e
vinganças eleitorais, se depois fica todo mundo mansinho e caladinho. Então
aceito tudo logo de vez e pronto, pois mais tarde é assim que o povo acaba
fazendo: agindo com indiferença até perante a revolta de ontem.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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