SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 12 de outubro de 2013

AS CHUVAS VOLTARAM (E OS SENTIMENTALISMOS TAMBÉM)


Rangel Alves da Costa*


Não, não sou capaz de tecer uma só linha de filosofia romântica, mas alguém já disse que as chuvas, quando são caídas em meio ao tempo tristonho e escurecido, são como palavras vindas do alto para inundar o coração do poeta.
Outro, também num plano simbólico, disse que as chuvas que caem e molham a terra, lavam as ruas e descem nas enxurradas, acabam sendo as mesmas enchentes que desaguam das almas sedentas e transbordam pelos rios das faces melancolicamente aflitas.
O máximo que eu poderia dizer é que as chuvas me comovem e me transformam. Sinto-me sentimentalmente desnorteado e emocionalmente fragilizado toda vez que o horizonte irrompe com aquela feição de chuvarada. E os pingos caídos já me encontram passarinho desassossegado.
Perco o norte do ninho, não sei se vou ou se fico, procuro asas para voar e acabo sendo guiado apenas pela imaginação, pela saudade, pelas recordações. Basta chover e o velho baú parece se abrir por conta própria; o álbum antigo se mostra folheado diante de mim; as coisas velhas e novas se juntam numa fotografia emoldurada pela vidraça embaçada.
Eis a minha feição agora com a volta das chuvas. Desde ontem mais cedo que o tempo começou a mudar, o azul da barra adiante tomou uma cor escurecida e o vento mensageiro chegou avisando o que todos já sabiam: as chuvas voltaram, e com elas pingos acompanhados de ventania, daqueles que se lançam pelas portas e janelas para molhar tudo que encontrar.
Mas foi um bom sinal aos meus olhos. Admiro a chuva como o noctívago gosta da rua deserta e doido se envolve com a lua cheia. Mesmo sabendo que com ela também chega o vendaval açoitando os sentimentos, não posso negar o encantamento que sinto diante dos dias molhados.
E não sei por que, mas as chuvas da primavera chegaram diferentes, inesperadamente contínuas e até ameaçadoras. Acompanhadas de vento forte e baforadas friorentas, colocam os cortinados em verdadeira convulsão e vão forçando passagem diante dos obstáculos mais frágeis. E respingam pelas salas e quartos para encontrar pessoas recolhidas aos sentimentos mais íntimos.
Tomei-me de sonolência, mas não por necessidade de dormir. O tempo nublado me faz mais perto da noite; a noite me traz a velha canção e as recordações dos idos e vividos; a antiga canção me coloca diante de faces, olhares, sorrisos. E tudo isso me faz tomado de melancolia e de uma nostalgia que vai entrando no ser e adormece o instante. Para acordar apenas o passado.
Mas não poderia ser diferente. A paisagem, interna e externa, emoldurada na chuva, não traria consequências diferentes. E certamente não sou o único que é completamente envolvido por chuvaradas tais, como essas de primavera que estão caindo. Verdade é que tudo fica mais entristecido, mais silencioso, melancólico, poético, inebriante. Quem não é poeta se torna; quem pensa que é de pedra lacrimeja; quem está distante de qualquer querer tem de amargar seu íntimo temporal.
E assim acontece porque bate uma saudade danada, porque cada pingo chega como uma voz, cada respingo vem como relembrança. E se é noite, então. As noites que já trazem consigo mil portas para revivências, acabam despertando as lembranças e faces adormecidas no peito. E fazer o que em momentos assim, senão querer abrir a porta ou janela e voar com destino certo. Mas chove forte lá fora.
Então só lhe resta amargar o sofrimento molhado. E talvez chorar. Mas chore como eu. Aprendi a enganar as lágrimas. Simplesmente corro pro meio da chuva, me misturo aos pingos e me faço ter olhos pelo corpo inteiro. E o peito saudoso fica sempre pensando que estou lavando os martírios da alma.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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