Rangel Alves da
Costa*
Não, não
sou capaz de tecer uma só linha de filosofia romântica, mas alguém já disse que
as chuvas, quando são caídas em meio ao tempo tristonho e escurecido, são como
palavras vindas do alto para inundar o coração do poeta.
Outro,
também num plano simbólico, disse que as chuvas que caem e molham a terra,
lavam as ruas e descem nas enxurradas, acabam sendo as mesmas enchentes que
desaguam das almas sedentas e transbordam pelos rios das faces melancolicamente
aflitas.
O máximo
que eu poderia dizer é que as chuvas me comovem e me transformam. Sinto-me
sentimentalmente desnorteado e emocionalmente fragilizado toda vez que o
horizonte irrompe com aquela feição de chuvarada. E os pingos caídos já me
encontram passarinho desassossegado.
Perco o
norte do ninho, não sei se vou ou se fico, procuro asas para voar e acabo sendo
guiado apenas pela imaginação, pela saudade, pelas recordações. Basta chover e
o velho baú parece se abrir por conta própria; o álbum antigo se mostra
folheado diante de mim; as coisas velhas e novas se juntam numa fotografia
emoldurada pela vidraça embaçada.
Eis a
minha feição agora com a volta das chuvas. Desde ontem mais cedo que o tempo
começou a mudar, o azul da barra adiante tomou uma cor escurecida e o vento
mensageiro chegou avisando o que todos já sabiam: as chuvas voltaram, e com
elas pingos acompanhados de ventania, daqueles que se lançam pelas portas e
janelas para molhar tudo que encontrar.
Mas foi um
bom sinal aos meus olhos. Admiro a chuva como o noctívago gosta da rua deserta
e doido se envolve com a lua cheia. Mesmo sabendo que com ela também chega o
vendaval açoitando os sentimentos, não posso negar o encantamento que sinto
diante dos dias molhados.
E não sei por
que, mas as chuvas da primavera chegaram diferentes, inesperadamente contínuas
e até ameaçadoras. Acompanhadas de vento forte e baforadas friorentas, colocam
os cortinados em verdadeira convulsão e vão forçando passagem diante dos
obstáculos mais frágeis. E respingam pelas salas e quartos para encontrar
pessoas recolhidas aos sentimentos mais íntimos.
Tomei-me
de sonolência, mas não por necessidade de dormir. O tempo nublado me faz mais
perto da noite; a noite me traz a velha canção e as recordações dos idos e
vividos; a antiga canção me coloca diante de faces, olhares, sorrisos. E tudo
isso me faz tomado de melancolia e de uma nostalgia que vai entrando no ser e
adormece o instante. Para acordar apenas o passado.
Mas não
poderia ser diferente. A paisagem, interna e externa, emoldurada na chuva, não
traria consequências diferentes. E certamente não sou o único que é
completamente envolvido por chuvaradas tais, como essas de primavera que estão
caindo. Verdade é que tudo fica mais entristecido, mais silencioso,
melancólico, poético, inebriante. Quem não é poeta se torna; quem pensa que é
de pedra lacrimeja; quem está distante de qualquer querer tem de amargar seu
íntimo temporal.
E assim
acontece porque bate uma saudade danada, porque cada pingo chega como uma voz,
cada respingo vem como relembrança. E se é noite, então. As noites que já
trazem consigo mil portas para revivências, acabam despertando as lembranças e
faces adormecidas no peito. E fazer o que em momentos assim, senão querer abrir
a porta ou janela e voar com destino certo. Mas chove forte lá fora.
Então só
lhe resta amargar o sofrimento molhado. E talvez chorar. Mas chore como eu.
Aprendi a enganar as lágrimas. Simplesmente corro pro meio da chuva, me misturo
aos pingos e me faço ter olhos pelo corpo inteiro. E o peito saudoso fica
sempre pensando que estou lavando os martírios da alma.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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