Rangel Alves da
Costa*
Quem
conhece ao menos um pouquinho da rotina sertaneja, daquele cotidiano tão
singelo e encantador, sabe muito bem que o dia parece terminar mais cedo para
aqueles que moram nas áreas mais afastadas, pelos roçados, pelas fazendas e
escondidos. E do mesmo modo sabe que o despertar da labuta se dá antes mesmo do
alvorecer.
O
sertanejo desperta antes mesmo de o velho galo cantar e ainda na escuridão já
está fazendo o primeiro sinal da cruz. Ainda tudo escurecido e ele já com a luz
no pensamento, a madrugada ainda se findando e ele já nos seus primeiros
afazeres no interior da moradia, pois mexendo numa coisa e noutra para mais
tarde nada ser esquecido no começo da lide.
Acende o
fogão de lenha, arruma um tronco ou outro pelo quintal, despeja uma cuia d’água
por cima das plantas medicinais, coloca água na chaleira e espera o momento
certo de despejar o pó de café. Foi-se o tempo de café pisado em pilão, grãos
batidos e peneirados ali mesmo no quintal e depois derramados na água para
fazer subir o cheiro inconfundível, gordo, saboroso demais.
História
que ouvi por lá, mas dizem que o gado se lambe todo quando aquele aroma se
espalha pelos arredores. O cheiro perfumado do café de pilão sertanejo é tão
inebriante que a natureza se sente prazerosamente servida ao alvorecer e
entardecer. Dizem que um viajante bateu à porta e ajoelhado implorou ao menos
um gole daquela dádiva enegrecida. Depois de servido, ofereceu tudo que levava
no alforje por outro gole. E levava moeda de ouro.
Quando o
sol se levanta muito do dia já está feito. A partir do alvorecer já é rotina
correndo em linha reta, num desassossego que só, e tudo para garantir o pão de
cada dia. E que sofrimento meu Deus, que padecimento pra colocar no prato de
estanho um tiquinho disso ou daquilo. Quando chove e a safra é boa, então não
há que reclamar de nada nem desejar o existente no mundo lá fora. A maioria se
basta no pouco que tem.
O dia
corre com a feição do tempo. Se lá fora o sol está ameaçador e a ponto de
engolir tudo, então nada resta a fazer que não esperar o tempo passar ligeiro e
as sombras começarem a descer pelas malhadas e descampados. Mas se a horizonte
está nublado, então o coração caboclo pulsa mais rápido, esperançoso, e os
olhos sertanejos passeiam ao longe na esperança de avistar nuvem de chuva. E se
há ronco de trovão a vida é uma festa só.
Contudo,
os dias sertanejos geralmente possuem a mesma feição. O sol lá em cima, o calor
lá embaixo, tudo querendo entristecer, perder o viço, esturricar de vez. Daí
que a partida do sol é sempre um alívio pro bicho e gente, pois o sombreado do
fim da tarde sempre vem acompanhado de um sopro mais confortante, de um frescor
que ameniza a quentura da terra. E é a partir do entardecer que uma magia parece
descer sobre aquelas terras distantes.
Quando o
sol vai descambando rumo ao descanso noturno e os seus últimos raios pincelam
por entre as nuvens labaredas vermelho-alaranjadas, já é momento de o sertanejo
estar observando tudo de sua moradia. Defronte à tapera, sentado em tamborete,
numa pedra grande, ao lado da porta ou simplesmente caminhando pelos arredores,
a tudo observa, e sempre maravilhado.
O cheiro
de café novamente sobe pelos ares, os bichos barulham nos seus recolhimentos, a
natureza se move embalada pela aragem e canta uma canção pra ninar seus
mistérios. Apenas um pouco mais das cinco horas da tarde e a quietude já vai
avançando rumo ao silêncio da noite. Depois das seis já será noite completa,
fechada, escurecida, num portal entreaberto para outras maravilhas sertanejas.
Eis que a
lua imensa desce dourada e plangente, eis que a mata parece cantar, eis que o
silêncio do instante convida aos costumeiros passatempos. O radinho de pilha
com uma velha canção; a viola de pinho trazida à mão para despertar saudosos
sentimentos; o vizinho que chega para um proseado; um gole de pinga para fechar
a cortina do dia. Ainda é noite nova e já tão envelhecida. E não demora muito
para que as portas sejam fechadas e a escuridão silenciosa reine naqueles
quadrantes.
Lá dentro
um candeeiro aceso. A chama embalança até apagar. Tudo escuridão. Somente a lua
reinando naquela imensidão. E ainda não é nem oito da noite.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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