SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 17 de outubro de 2013

ASSIM COMO A FORMIGA


Rangel Alves da Costa*


Na vida a luta, o destemor, a incansável busca de realização, a construção grão a grão da fortaleza da sobrevivência. Assim o percurso, a estrada, o caminho de todo dia. Destino espelhado no fazer da frágil formiga. Tão pequeno ser e uma imensidão de força e encorajamento.
Formiga. Apenas uma formiga, alguém diria. Tantas vezes chata, desagradável, até mesmo atroz e aterrorizante. Rastejante, silenciosamente agindo, está em todo lugar. Contudo, diferentemente do homem, não há um instante sequer que não esteja trabalhando, construindo, produzindo. Até mesmo destruindo ela estará procurando construir.
Quem dera tanto e contínuo encorajamento no homem. Não que as forças lhe faltem, a vontade de construir também, mas pelo próprio ritmo das realizações. Falta-lhe a paciência da formiga, a sua persistência, a sua incansabilidade diante de todas as dificuldades. Ir e voltar, carregar o mesmo fardo, retornar e assim continuar até o último grão, eis a tenacidade nem sempre vista no ser humano.
“No subterrâneo o lar cavado e encravado na aridez. Aparentemente apenas um pequeno furo na terra com uma porção de areia na borda. Mas além dessa passagem, num verdadeiro túnel engenhosamente construído e que se alonga em curvas e ambientes escurecidos, há não apenas uma moradia, um formigueiro, mas uma sociedade organizada e obediente”.
A formiga já sai dali sabendo o que fazer no seu dia. Quase sempre a mesma coisa, correndo sempre os mesmos perigos, conhecedora do que lhe cabe fazer. Também deveria ser assim com o ser humano, ou ao menos tendo um norte na vida. Formiga de si mesmo, submetido à incansável luta pela sobrevivência e sempre encorajado para o trabalho seguinte. E com os mesmos temores daquele pequeno inseto.
“No formigueiro convive com ordens e hierarquias, conhece muito bem os limites de sua liberdade de agir. É apenas uma formiga em meio a uma casta, a outras formigas mais poderosas e que vivem confortavelmente nos labirintos. A ela cabe realizar o seu trabalho do dia, mostrar que fez sua parte na grande obra da existência, e depois repousar para a mesma caminhada no dia seguinte”.
Ser igual à formiga é também dever obediência outras que não somente aquelas às quais o sujeito se impõe na sua moradia. Da porta pra fora, em meio ao formigueiro humano, conhecer bem os limites estabelecidos. Não há no meio social rainha nem rei, mas um emaranhado de leis, códigos e disciplinas sociais que sempre ditam cada passo que se possa dar. Nesse passo, a formiga quando sai do formigueiro possui mais liberdade que o homem. Este é de liberdade é íntima, pois externamente tudo pode contrariar as regras sociais.
“A frágil formiga tem no amor e na relação sexual o maior perigo que possa existir. Fecundar a rainha pode significar morte certa, pois uma vez alcançado o objetivo estará impedido de compartilhar do formigueiro e estará fadada a morrer. Talvez a liberdade exterior lhe amenize a aflição. Contudo, voltada demais para os afazeres, para o contínuo trabalho, nunca consegue tempo de procurar relacionamentos com outras formigas”.
Pobre formiga e pobre do homem. Se amar lhe é perigoso demais, bem que gostaria de arriscar muito mais por amor. Mesmo com toda liberdade que possui de procurar, e mesmo que lhe sobre tempo para enveredar nos labirintos das paixões, ainda assim há sempre limites para as coisas do coração. Como acontece com a formiga, ao sujeito deveriam ser negadas as tantas oportunidades para cair no abismo das paixões incontidas.
 “Formiga quase ser humano. Tanta luta, tanto trabalho. Faça sol ou chuva, esteja tempo bom ou ruim, seja qual for a estação, e logo ao amanhecer despontará na porta do formigueiro para a sua lide de sempre. Vai caçar folhas, vai procurar alimento, vai atacar outros insetos para garantir a sobrevivência dentro do formigueiro. E o conseguido faz o caminho de volta nas suas costas. Uma folha imensa sendo levada, uma carcaça inteira sendo carregada. Mas obstinadamente segue. E faz quantas viagens forem necessárias para realizar o trabalho do dia”.
Quisera o homem ter a mesma disposição da formiga, a mesma força, a mesma força de vontade. Ademais, diferentemente de sempre estar carregando nos ombros aquilo proveitoso na existência, de repente se vê levando fardos de angústias, tristezas e melancolias. Ninguém ainda falou com precisão do sofrimento da formiga, mas certamente não é maior que o humano.
“Da solidão da formiga, também seu silêncio, sua vez embargada, seu olho molhado e escondido”. E é quando verdadeiramente o homem a ela se assemelha. Mas com olhos abrindo as comportas para um mar esvaziado no arrependimento e novamente inundado no erro. Por isso que um dia alguém dirá à formiga como dói chorar.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: