Rangel Alves da
Costa*
Na vida a
luta, o destemor, a incansável busca de realização, a construção grão a grão da
fortaleza da sobrevivência. Assim o percurso, a estrada, o caminho de todo dia.
Destino espelhado no fazer da frágil formiga. Tão pequeno ser e uma imensidão
de força e encorajamento.
Formiga.
Apenas uma formiga, alguém diria. Tantas vezes chata, desagradável, até mesmo
atroz e aterrorizante. Rastejante, silenciosamente agindo, está em todo lugar.
Contudo, diferentemente do homem, não há um instante sequer que não esteja
trabalhando, construindo, produzindo. Até mesmo destruindo ela estará
procurando construir.
Quem dera tanto
e contínuo encorajamento no homem. Não que as forças lhe faltem, a vontade de
construir também, mas pelo próprio ritmo das realizações. Falta-lhe a paciência
da formiga, a sua persistência, a sua incansabilidade diante de todas as
dificuldades. Ir e voltar, carregar o mesmo fardo, retornar e assim continuar
até o último grão, eis a tenacidade nem sempre vista no ser humano.
“No
subterrâneo o lar cavado e encravado na aridez. Aparentemente apenas um pequeno
furo na terra com uma porção de areia na borda. Mas além dessa passagem, num
verdadeiro túnel engenhosamente construído e que se alonga em curvas e
ambientes escurecidos, há não apenas uma moradia, um formigueiro, mas uma
sociedade organizada e obediente”.
A formiga
já sai dali sabendo o que fazer no seu dia. Quase sempre a mesma coisa,
correndo sempre os mesmos perigos, conhecedora do que lhe cabe fazer. Também
deveria ser assim com o ser humano, ou ao menos tendo um norte na vida. Formiga
de si mesmo, submetido à incansável luta pela sobrevivência e sempre encorajado
para o trabalho seguinte. E com os mesmos temores daquele pequeno inseto.
“No formigueiro
convive com ordens e hierarquias, conhece muito bem os limites de sua liberdade
de agir. É apenas uma formiga em meio a uma casta, a outras formigas mais
poderosas e que vivem confortavelmente nos labirintos. A ela cabe realizar o
seu trabalho do dia, mostrar que fez sua parte na grande obra da existência, e
depois repousar para a mesma caminhada no dia seguinte”.
Ser igual
à formiga é também dever obediência outras que não somente aquelas às quais o
sujeito se impõe na sua moradia. Da porta pra fora, em meio ao formigueiro
humano, conhecer bem os limites estabelecidos. Não há no meio social rainha nem
rei, mas um emaranhado de leis, códigos e disciplinas sociais que sempre ditam
cada passo que se possa dar. Nesse passo, a formiga quando sai do formigueiro
possui mais liberdade que o homem. Este é de liberdade é íntima, pois
externamente tudo pode contrariar as regras sociais.
“A frágil
formiga tem no amor e na relação sexual o maior perigo que possa existir.
Fecundar a rainha pode significar morte certa, pois uma vez alcançado o
objetivo estará impedido de compartilhar do formigueiro e estará fadada a
morrer. Talvez a liberdade exterior lhe amenize a aflição. Contudo, voltada
demais para os afazeres, para o contínuo trabalho, nunca consegue tempo de procurar
relacionamentos com outras formigas”.
Pobre
formiga e pobre do homem. Se amar lhe é perigoso demais, bem que gostaria de
arriscar muito mais por amor. Mesmo com toda liberdade que possui de procurar,
e mesmo que lhe sobre tempo para enveredar nos labirintos das paixões, ainda
assim há sempre limites para as coisas do coração. Como acontece com a formiga,
ao sujeito deveriam ser negadas as tantas oportunidades para cair no abismo das
paixões incontidas.
“Formiga quase ser humano. Tanta luta, tanto trabalho.
Faça sol ou chuva, esteja tempo bom ou ruim, seja qual for a estação, e logo ao
amanhecer despontará na porta do formigueiro para a sua lide de sempre. Vai
caçar folhas, vai procurar alimento, vai atacar outros insetos para garantir a
sobrevivência dentro do formigueiro. E o conseguido faz o caminho de volta nas
suas costas. Uma folha imensa sendo levada, uma carcaça inteira sendo
carregada. Mas obstinadamente segue. E faz quantas viagens forem necessárias
para realizar o trabalho do dia”.
Quisera o
homem ter a mesma disposição da formiga, a mesma força, a mesma força de
vontade. Ademais, diferentemente de sempre estar carregando nos ombros aquilo
proveitoso na existência, de repente se vê levando fardos de angústias, tristezas
e melancolias. Ninguém ainda falou com precisão do sofrimento da formiga, mas
certamente não é maior que o humano.
“Da
solidão da formiga, também seu silêncio, sua vez embargada, seu olho molhado e
escondido”. E é quando verdadeiramente o homem a ela se assemelha. Mas com
olhos abrindo as comportas para um mar esvaziado no arrependimento e novamente
inundado no erro. Por isso que um dia alguém dirá à formiga como dói chorar.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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