Rangel Alves da
Costa*
Não existe
espécie mais veloz e curiosa que a dos fofoqueiros. E também furiosa, pois agem
com sanha descomedida para alastrar infinitamente a derrocada ou o tropeço de
alguém. Antecipando-se ao vento, chegam primeiro para depois se arvorar de
donos da verdade, que daí em diante se espalha como as mais deslavadas
aleivosias.
Verdade é
que a fofoca parece ter faro apurado, parece que pressente os acontecimentos.
Algo que acontece num instante, no segundo seguinte já poderá estar servindo
como manchete verbal de primeira mão. Com caráter sempre sensacionalista, a
partir daí vai tomando as feições que cada boca lhe possa dar. E são muitas.
O simples
fato de presenciar alguma coisa suspeita já é motivo de júbilo para o
fofoqueiro. Quando não tem certeza do que realmente aconteceu, logicamente que
faz uso de sua apodrecida imaginação e logo vai tecendo enredos dos mais
alarmantes. Não contente em fazer conjecturas maldosas, também é do seu feitio
a pura e covarde invencionice.
Aliás, a
verdade é totalmente transformada pela fofoca e em seu lugar vão surgindo os
absurdos, as incongruências e as mais abjetas mentiras. Nasce do tênue fio de
uma possível realidade para tomar outra direção. Eis que a realidade, na arte
da fofoca, é a semente inocente que faz brotar monstros e labirintos terríveis
e ameaçadores.
Mas a
fofoca também pode surgir de uma verdade. Algo verdadeiramente acontece e logo
é devidamente levado ao conhecimento de todos. O problema não diz respeito à
existência ou não do fato, mas à forma como é transmitido, pois é de sua
essência que seja distorcido, desvirtuado, alongado, diminuído, retocado ou
mesmo transformado na sua totalidade.
Assim, não
interessa à fofoca que uma flor seja apenas uma flor. Será sempre preciso que
essa flor seja maculada, distorcida ou retorcida. E aos poucos vá perdendo sua condição
de flor, vez que é própria dessa arte menor sejam os fatos modificados de tal
modo que aquilo que começou como flor passe a ser visto, mais adiante, apenas
como espinho.
Desse modo
ocorre no relato dos fatos que lhes servem de nascedouro. Um encontro entre
duas pessoas, por exemplo, já se torna namoro perante o olhar fofoqueiro. A
boca já fala em beijos lambidos; é repassado que só faltava um entrar no outro;
e acaba com a certeza de uma traição, de uma gravidez ou de qualquer outro
absurdo. Ainda que aquelas duas pessoas tenham apenas se cumprimentado
cordialmente, a fofoca tem o dom de tirar-lhes a roupa no meio da rua. Assim
acontece.
Situação
bastante característica no mundo da fofoca é a curiosidade, a bisbilhotice da
vida alheia. A janela nunca está totalmente fechada, pois é através dela que
olhos famintos por fatos vivem espreitando quem passa e como passa. As calçadas
servem como desculpas para a varrição e a espera que a vizinha chegue com jeito
de cobra inocente. Após os primeiros cumprimentos vão surgindo as coisas mais
estapafúrdias que possam ser imaginadas e ditas.
Com as
duas se coçando para ver quem começa a trilhar pelo caminho dos outros, então
uma, com cara e jeito de quem não está com a mínima preocupação, vai dizendo:
Você soube comadre? E a outra, interessada que só, se mostra espantada com o
que possa surgir. Então ouve: Deus sabe que não gosto nem de ouvir essas
coisas, mas acabei de saber em segredo que... Então começa a festança do alheio
e repugnante.
Tudo
começa a acontecer como num estalo, num passe de mágica. A existência de um
fato, a suposição sobre sua existência ou a invencionice sobre sua
possibilidade, eis o cenário propício para que os velozes e curiosos passem a
semear todo tipo de inverdades. E o que surge como ouvi dizer se torna em fato
presenciado; a suposição se torna realidade; e a dúvida se banda para o lado
que for mais prejudicial.
Contudo, o
que mais repugna nessas vis atitudes não é nem a mentira em si, mas a covardia
da existência de bocas maldosas sem ter feições, vez que a verdade acerca de
quem inicia tudo dificilmente é conhecida. Eis que o fofoqueiro sempre se omite
em dizer de onde veio sua maldade. Contenta-se apenas em “ouvi dizer”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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