Rangel Alves da
Costa*
Há
instantes em que a grandeza do amor passa a se afeiçoar com a paisagem do
outono. O coração florido, o contentamento do ser, a alegria da comunhão, tudo
se transforma na fragilidade da folha que agoniza seus últimos instantes.
Eis que o
amor também perde a seiva; eis que o querer também se indaga sobre sua razão de
ser; eis que a sequidão também chega ao beijo e a aspereza enlaça o abraço. E
todo aroma e perfume da alma que ama tende ser levado pela ventania antes que
exale para fortalecer a relação.
E tudo
fica tão difícil e triste, tudo tão doloroso e angustiante. O outono se vai com
a esperança de renascimento em outra estação, de ressurgir para o ciclo da
existência, mas nem sempre assim ocorre com o amor. De repente se vai e
completamente se esvai, pois a ventania da incompreensão pode seguir por curvas
indesejadas.
Mas sempre
haverá esperança para os que compreendem o outono e nele folheia um livro
ensinando superar as ameaças e dificuldades do amor. E livro que fala em
adeuses e despedidas, em tristezas e melancolias, em solidão e padecimento, mas
também em renascimento.
E no
folhear das horas entristecidas de saudades tantas, ali encontrará verdadeiras
lições para superar as angústias e aflições:
Mire-se na
folha seca, na folha frágil, na folha apenas fim. Perdeu a seiva como o amor
perde o viço e o encanto. A folha espera a ventania e sabe que vai partir. Não
há nada que possa fazer naquela estação. Mas o amor pode superar ventanias e
vendavais, tempestades e ameaças, bastando que queira renascer sem ter de
morrer.
Mire-se
nas folhas mortas, nas folhas caindo, no chão tomado de cores frágeis, de
levezas sem vida. Tudo ali sequer sabendo que será juntado e incinerado,
transformado em fuligem para esvoaçar pelo tempo. Mas o amor, ainda que caído e
ferido pelas circunstâncias, não se deixa levar para o esquecimento. Espera o
vento e alça voo para, lá em cima, voar como pássaro que vai em busca do seu
ninho.
Mire-se
nas tardes tristes, nas cores cinzentas do entardecer, no jardim abandonado,
nos bancos encimados por folhas mortas, no silvar lúgubre da ventania, na tela
triste esquecida pelo pintor solitário. Que paisagem e cenários terríveis, dolorosos,
angustiantes. O amor tem essa mesma feição todas as vezes que é tratado como um
outono qualquer. Caberá aos dois renovar o jardim e prepará-lo para a nova
estação.
Mire-se
nos ninhos ocos, vazios, abandonados, nos galhos cinzentos e secos, nos troncos
retorcidos e quebradiços, na feição tristonha da natureza e tudo ao redor. Tome
como exemplo a solidão ali existente, a falta de canto passarinheiro, as cores
mornas do entardecer. Desse jeito é o coração vazio, o sentimento fragilizado,
a desesperança amorosa, a dor pelo distanciamento. E o amor não obedece a um
ciclo inevitável, e por isso mesmo pode ser renovado a qualquer instante.
Mire-se na
ideia que as pessoas fazem do outono, como elas fogem do outono, como elas
falam de forma tão entristecidas sobre essa estação. E sequer consideram que é
apenas um ciclo natural que inevitavelmente acontece. Por que acontece assim?
Ora, simplesmente porque possuem outonos escondidos na alma e lhes amedrontada
o simples pensamento sobre sua existência. Daí que a relação amorosa deve
também reconhecer a inevitabilidade de seus outonos.
Mire-se no
calendário, nas suas folhas, nos dias que vão passando, no tempo. Mire-se nas
horas se preciso for. Mas procure entender que nada é contínuo ou eterno, que
tudo passa. Algumas coisas morrem, outras se transformam para continuar
existindo. E a vida do amor precisa saber o qual futuro lhe é desejado. Ser o
último outono, ou ser este e mais outros, e no percurso as flores vivas e
perfumadas para alimentar o querer?
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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