SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 22 de outubro de 2013

FAZER (E FAZER AGORA)


Rangel Alves da Costa*


O tempo passa cada vez mais rapidamente e parecemos nunca encontrar tempo para as coisas singelas, agradáveis, tudo aquilo que desejamos fazer sem demora. Verdade é que continuamos adiando nossas promessas.
Carlos Drummond de Andrade certa feita escreveu que “Um dia desses, eu separo um tempinho e ponho em dia todos os choros que não tenho tido tempo de chorar”. Eis que preterimos tudo, adiamos tudo, e de repente nos damos conta que realmente temos esquecido de viver.
Sei que não posso comer demais, me empanturrar de guloseimas, abocanhar com avidez tudo aquilo que desejo e mereço. Mas não posso mais adiar minha vontade de me lambuzar com manga madura, com bagos de jaca mole, com pinhas grandes e de doce polpa, com sapotis maduros e bem docinhos. E tudo muito, e mais que houver.
Juro que sem pecado e arrependimento, não demora muito e estarei diante de uma buchada bem gorda de carneiro mais gordo ainda, com direito a deixar a gordura escorrer pelo canto da boca e olhar pelo canto do olho uma rede armada logo adiante. Olhar com avidez e gulodice uma panelada de sarapatel de porco e depois encher o prato e repeti-lo quantas vezes puder.
Hei de fazer e sem demora, algo que há muito desejo e não posso mais adiar. Eis que vou tirar uma tarde inteira somente para me encher de sorvete e mais sorvete. Não é picolé não, mas sorvete mesmo, daqueles cheios de cores, perfumes e sabores. E mandar transbordar a taça de sorvete de coco, depois de cajá, depois de mangaba, depois de goiaba, e depois do que estiver disponível na sorveteira.
Já fiz isso um dia, mas ainda assim repetirei envolto de meninice. Viajarei ao sertão apenas para novamente pular cercas nos quintais, roubar cajus, goiabas e umbus e tudo que estiver à disposição no pomar alheio. Difícil acreditar, mas vou chutar a bola bem na roupa enxugando no varal, chutar a bola nos muros das moças solteiras embrutecidas, desenhar um coração apaixonado na janela da donzela.
Ah, como tenho de urgentemente tomar banho de chuva completamente nu, e na nudez valsar debaixo dos pingos, correr por aí, cantar feliz e espanar a chuva em rodopios. Preciso urgentemente subir ao telhado em noite de lua cheia e lá em cima, com violino à mão, fazer ecoar a mais bela canção para alguém que jamais ouvirá. Preciso sair sozinho pela noite, e feito poeta errante sentar na solidão dos bancos das praças e conversar demoradamente com a lua e as estrelas.
Quero bolo de leite, de macaxeira e de puba, e agora. Sim, e me tragam também doce de leite com muitas bolas, cocada branca e de coco queimado, pirulito e bala de mel, arroz doce e mugunzá, um prato cheio de canjica de milho verde. E tudo de uma vez, pois não suporto mais ficar apenas olhando, querendo, desejando, e depois deixar tudo pra depois por causa do regime e das prescrições médicas.
Ainda não beijei com a avidez que quero beijar, ainda não amei com a sede que quero amar, ainda não me dei do jeito que quero me entregar. Quero abraçar de verdade, com ânsia, com fúria, com possessão, e depois me perder nos labirintos dos desejos mais incontidos que possam existir entre dois. Mas é preciso que a outra parte tenha a mesma sede e a mesma fome que eu sinto agora. E para fazer tudo sem demora.
Tenho de fazer o que desejo fazer, e agora, sob pena de mais tarde viver de arrependimentos e entristecidamente lamentar.  Bem ao modo do que fez a poetisa Nadine Stair (e não Jorge Luis Borges) em seu poema “Instantes”, cujos versos iniciais dizem assim:
“Se eu pudesse novamente viver a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvetes e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários...”.
Então preciso fazer. E agora. E começarei pelo viver, coisa que desde muito tenho me esquecido de fazer.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: