Rangel Alves da Costa*
Hoje não, está tudo muito diferente, vez que
o sexo banalizou-se na maioria das pessoas e o amor não passa de um arremedo de
sentimentos, e quando ainda há algum resquício no ser humano tomado de
instantâneos desejos. Mas antigamente a relação, tanto sexual como amorosa,
possuía características próprias e muito diferenciadas.
Alguns aspectos apontam para o fim ou a
fragilidade dos relacionamentos fortes e duradouros. Em primeiro lugar, nos
dias atuais praticamente não há mais lugar para o verdadeiro namoro. A esta
relação hoje dão o nome de ficar, curtir ou todo tipo de denominação
depreciativa. A juventude nem sabe o que é um galanteio, um desejo ardentemente
sublime pelo outro, uma cartinha de amor, um versinho enamorado. Rarearam-se os
noivados, as alianças de compromisso, a longa e sofrida espera até chegar ao
altar.
Os casamentos duradouros - sustentados na
verdadeira comunhão daquilo que o padre falou - também quase se tornaram relíquias,
coisas impensáveis num mundo moderno de tanto descompromisso de um para com o
outro. Parece não haver mais espaço para o romantismo. A viuvez não é mais
chorada nem sofrida como antes, nem o sobrevivo respeita a memória do que se
foi. Não há mais luto ou recato. Na sentinela já há um piscar de olho.
A moda é ter um caso, uma relação
extraconjugal, uma convivência desaconselhada, um colocar o nome na lama. O que
instiga não é a afoiteza diante do outro, mas a relação proibida. Mas sempre
com a aceitação da maioria, pois é moda e tem gente que acha bonito demais
viver na desonradez e no mau-caratismo.
É, pois, um tempo de delírios, luxúrias,
entregas corporais, abusos e absurdos. Pais que aceitam namorados dormindo em
casa; filhos que fazem do corpo experimentação. Os casais na mera casualidade.
Messalina seria apenas mais uma; os depravados imperadores nem seriam
comentados nas surdinas palacianas. Eis que hoje quase tudo se afeiçoa à
devassidão e à pecaminosidade.
Contudo, os mais velhos talvez se recordem
bem de um tempo muito diferente, uma época de respeito tanto próprio como
perante o outro, dias de consideração e de verdadeira comunhão amorosa e
conjugal. Logicamente que desde a primeira luz do mundo que houve a
prostituição, o adultério, a traição desavergonhada, mas tais fatos resumiam-se
a certas pessoas e em quantidade até identificáveis.
Para se ter uma ideia, o namoro era
verdadeiro ritual, desde a paquera ao primeiro encontro e assim por diante. Em
muitos lugares, só havia encontro entre o rapaz e a mocinha na presença dos
pais desta, e ainda assim se houvesse expressa permissão para o
descompromissado romance. Mais tarde houve a permissão para que ficassem
sentados, em cadeiras separadas, na sala da casa, e sob permanente vigilância.
Naqueles tempos, moça solteira engravidar era
um absurdo, uma desonra familiar sem tamanho. Por isso mesmo providenciava-se
urgentemente o casamento. Ora, não havia o costume de namoros com agarrações,
chupadas nem lambidas, e muito menos relações sexuais. Se estivessem subindo
pelas paredes tinham que antecipar o noivado e o casamento. E bastava o fato de
a mulher ter filho antes dos nove meses para que os comentários maldosos
corressem a cidade.
E por que os pais faziam isso, ficavam em
constante vigilância para que sua filha não fizesse nada antes do tempo?
Simplesmente pela cultura da honra, da castidade, da religiosidade, do
sentimento moral prevalecente. Um conservadorismo até exacerbado. Os filhos
nunca ouviam os seus pais falando sobre sexo, nem pronunciando tal nome por
reputarem como coisa familiarmente impronunciável.
Em muitas situações, casavam e passavam uma
lua de mel ainda se conhecendo, pois quase não conversavam, não se aproximavam,
corporalmente não experimentavam nada um do outro, subsistindo a relação apenas
pelo amor que nutriam. No quarto de casal, com as luzes totalmente apagadas,
por muitos dias deitavam completamente vestidos, e assim dormiam e acordavam.
Quando os corpos se aproximavam e o desejo
sexual aflorava, ainda assim não ficavam totalmente nus nem se permitiam
carícias mais provocantes, abraços apertados, beijos sufocantes, nada disso.
Como um ritual mecânico, pronto para acontecer, procuravam deixar apenas os
sexos livres e assim se entregavam ao prazer metódico, burocrático, quase frio,
ainda que os corpos estivessem abrasados.
É difícil de acreditar, mas mesmo estando
casados, em lua de mel, não acendiam a lamparina nem o candeeiro por vergonha
de mostrar as genitálias. E os órgãos sexuais, tão escondidos do olhar do
outro, serviam apenas para aquele momento de prazer e depois se escondiam nos
seus babados, camisolões, ceroulas ou pijamas.
Mas um dia alguém achou de acender a luz e
pronto. Deu no que deu. E hoje, quanto mais o sexo é praticado às claras, quase
no meio da rua, mais o parceiro procura o outro e não encontra. E nem precisa
saber quem está ao seu lado. Muitas vezes nem conhece.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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