Rangel Alves da Costa*
Sou do mato, sou matuto, e sei muito bem como
essas coisas acontecem. O cabra vai chegando debaixo do pé de pau, encontra o
amigo de proseado ali sentado e logo começa o conversê de todo dia, coisa pra
matar o tempo do entardecer.
A primeira coisa que um diz pro outro é que
não é homem de mentira nem gosta que venham contar lorota no seu ouvido. Já o
de lado ajunta que homem que se respeita não anda com conversinha, igual a um
certo compadre que diz falar com os bichos. Não só fala como até joga um
carteado com um jumento que tem no pasto.
O outro diz que aí já demais, que aí já é
querer fazer desfeita e desrespeitar o outro. Quem ia acreditar numa conversa
dessas, nesse conversê desgramado dizendo que bicho entende de jogo e que joga.
Ele não aceita que cheguem perto pra falar essas coisas de jeito nenhum. Homem
de bem faz como ele que prova tudo o que diz.
Apenas diz, mas não prova nadica de nada.
Muitas vezes é muito mais mentiroso do que o maior loroteiro que possa existir.
E esse cabra mesmo metido a besta, a ser sério demais, certa vez começou a
contar um causo a esse mesmo amigo, mas mentira tão desavergonhada que este
acabou tendo de inventar uma desculpa pra sair correndo dali. Mas nem sei por
que fez isso, pois achegado também a uma descarada invencionice.
Certa feita contou ao companheiro de prosa a
história da cobra que virava cobra. E disse que havia uma cobra que se
transformava num piolhinho pequeno de cobra, coisa piquititota que mais parecia
um fiapinho, para depois se transformar numa cobra grande, e a maior já vista
pelos arredores.
Quando queria comer alguma coisa, engolir
qualquer pessoa, bicho ou objeto, chegava por ali toda mansinha como quem nada
queria. Mas também ninguém a enxergava porque a bicha se escondia em qualquer
buraco que coubesse uma lagarta de fogo, dessas bem pequeninas. Ficava por ali
observando tudo e esperando a presa. Então de repente se afastava um pouco para
se transformar numa serpente imensa e temida só no avistamento.
Certa feita uma dessas bichonas engoliu três
bezerros, o dono dos animais e o pequeno curral onde eles estavam. E tudo de uma
abocanhada só. Quando já ia partir pra abocanhar a casa com chiqueiro, porcos e
tudo o mais, eis que alguém chegou correndo e acabou com a festa. E tudo sem
armas, sem canhão nem mosquetão, apenas com uma palavra.
Tomado de espanto, o outro que estava ouvindo
perguntou que palavra foi essa pronunciada para acabar com a festa da comilona.
Então o contador do causo pigarreou, deu uma baforada no cigarro de palha e
disse que a palavra dita não foi outra senão gorducha. Mas não somente isso,
pois acentuou repetindo gorduchona, baleia, feia.
Ao ouvir isso a cobra ficou com uma raiva tão
grande que cuspiu tudo que já havia guardado na barriga e voltou a ser o
esbelto e sorridente piolhinho de cobra. Foi nesse momento que o cabra correu pra
cima e deu-lhe uma pisada tão forte com a alpercata de couro cru que a cobra
disfarçada esfarelou na hora. E nada disso havia sido mentira não porque tinha
sido ele mesmo o autor dessa façanha.
Quando ouviu o resto da conversa o amigo logo
olhou desconfiado, balançou um pouco a cabeça como quem não acreditava em nada
daquilo, mas para não criar desfeita seguiu contando um causo acontecido com
ele mesmo. Mas assim que começou a falar foi interrompido pelo matador de cobra
implorando por tudo na vida, pelo amor de Deus que não viesse com conversa mentirosa,
pois não suportava esse tipo de coisa.
Mas o outro continuou contando seu causo. E
prosseguiu dizendo que certa feita tinha uma alpercata de couro igualzinha
àquela usada pelo amigo pra matar a cobra. Mas a bicha era tão grande, tão
grande de um jeito, que certa feita tirou dos pés para tomar banho num riacho e
depois acabou tendo de subir nela com a maior dificuldade do mundo. E tudo
porque a alpercata tinha se transformado num penhasco. E apontou em direção a
um imenso rochedo na saída da cidade.
O outro se levantou e disse raivoso que
fizesse o favor de nunca mais abrir a boca pra contar mentira. E saiu zangado,
sem olhar pra trás.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário