Rangel Alves da
Costa*
Muitos
nomes para ser apenas uma: avó. Emeliana Marques da Silva, Dona Emeliana,
Meliana. Fruto envelhecido no pomar do tempo, água que deixou de correr nas
veias hereditárias, flor e folha de jardim nas mãos de qualquer outono. E raiz.
Sim, última raiz restante do meu sobrenome. E de tanta gente também.
Partiu na
idade daqueles que verdadeiramente conheceram o tempo, pois na fronteira dos
noventa anos. E agora apenas a despedida da forte e vigorosa mulher que abraçou
seu destino sertanejo ao lado do seu amado Ermerindo, em cujo abraço fez gerar
uma grande e vitoriosa prole. Dez filhos:
os falecidos Maria José, Deijanira, Milton, José e Alcino, e os que
ainda continuam com passo na estrada: Nilton (Mimim), José Carlos (Pedrinho),
Vera Lúcia, Gerino e Vanda Lúcia (Vandinha).
Também
filha de uma portentosa família, tronco de produtiva raiz, sendo muitos os
filhos trazidos à terra do sol pelo caboclo casal. Foram nove mulheres e dois
homens os filhos de Antônio Marques e Maria Madalena (Mãe Véia). As mulheres: Emeliana,
Conceição, Osana, Isabel, Rosinha, Mãezinha, Mariquinha e Cordélia, são estas
que me chegam à recordação. E um filho famoso batizado como Manoel Marques da
Silva, mais tarde apelidado como Zabelê no bando de Lampião.
Senhora e
Rainha da Santa Rita, mulher que um dia foi comerciante, dona de hotel e
pousada, e mais tarde apenas a esposa de Seu Ermerindo, a este deu o adeus
maior em 1990. Com o falecimento do seu amado, a casa onde sozinhos moravam
ficou grande demais para um coração partido. Mas ali permaneceu - e continuou -
tentando dar continuidade à vida e recebendo os seus.
Ficava
verdadeiramente radiante, os olhos começavam a brilhar diferente toda vez que
um neto chegava ali para dar a benção. A família sempre foi seu orgulho maior,
estar perto dos seus causava-lhe intensa alegria, satisfação, renovação do
ânimo. E tantas vezes ali cheguei para encontrá-la sentada no sofá e de repente
se tomar de espanto com a minha presença. Parece que estou ouvindo: “Meu
filho!”.
Minha mãe, meu pai, e a raiz paterna: Seu Ermerindo e Dona Emeliana |
Mas hoje
sei que tudo está tão diferente. Muito diferente. Desde algum tempo que ela
passou a ter problemas nas pernas, ficando impedida de caminhar. Depois
surgiram problemas de visão, não enxergando quase nada daquilo que surgisse à
sua frente. E o mais doloroso: Somente através da voz e do nome ela passou a
reconhecer os filhos, netos, parentes, amigos.
Tanta
tristeza ao lembrar que diante dela eu não era mais seu neto, não era nada. Não
avistava mais, não podia reconhecer mais. Eu tinha de falar que estava ali para
nela ser despertada a minha imagem e depois esboçar um sorriso, um gesto de
satisfação. E é verdade o que agora vou confessar: Em visitas a Poço Redondo
evitava ao máximo estar passando sempre diante de sua casa.
Toda vez
que ali entrava eu recebia uma pontada no peito de quase não suportar. Encontrá-la
deitada no sofá, sem nada enxergar, sem poder levantar sozinha e dar qualquer
passo ao redor, significava estar diante de uma imensa aflição. E o mais
doloroso é que eu não conseguia avistá-la naquele estado senão como aquela avó
que mais parecia a mais bela e forte das
baraúnas sertanejas.
Nesse
mesmo estado ela continuou por muito tempo, e infelizmente as notícias que me
chegavam não eram nada alentadoras. Seus problemas de saúde cada vez mais se
agravavam; a junção da idade com as enfermidades tornavam as esperanças num desafio.
E a primeira triste constatação: Foi seu debilitado estado de saúde que impediu
de ser informada que o seu filho, Alcino, estava sendo velado num salão ao lado
de sua casa, na Câmara de Vereadores, naquele já próximo dia 02 de novembro.
E agora a
segunda e mais dolorosa constatação: o seu falecimento depois de períodos de
internação e de agravamento do estado da saúde já longamente debilitado. E com
ela se foi a última raiz e sombreado daquelas portentosas árvores sertanejas que
tanta semente boa colocaram no meu caminho.
E eu que
precisava tanto dessa última raiz para continuar com forças, para dizer ao meu
coração que mesmo sem pai nem mãe vivos, sem os avôs maternos e sem o avô
paterno, ainda a tinha como sustentáculo maior no chão dos meus dias. Mas agora
as árvores da vida sumiram todas do meu sertão.
Que as
sementes das lições deixadas possam frutificar na aridez da estrada. Lágrimas
não faltarão para fertilizar a terra. Que esteja sempre ao lado de Deus e dos
seus, Dona Emeliana!
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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