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sexta-feira, 4 de outubro de 2013

VOZ DO SILÊNCIO


Rangel Alves da Costa*


A voz do silêncio silenciosamente chega. Quase num sussurro, quase num murmúrio, numa ideia de voz, na imaginação.
Mas também pode chegar como brado, como ruído, com estridência íntima. Mesmo que não seja ecoada, seu som é tão compreensível como o desejo que se quer ouvir.
A voz do silêncio possui muitas vozes e muitas feições. Chega de muitas formas, através de diversos caminhos, por inusitadas situações.
A qualquer instante do dia ou da noite, e eis o silêncio se tornando palavra. Uma mudez que ecoa, um eco com nome, um nome com feição, e uma face dialogando com o coração.
Leve pluma é a voz do silêncio. Imperceptível plumagem  que passa pela janela, segue adiante e some de vez com a ventania mais forte.
A brisa tem a voz do silêncio. Do jeito que sopra e corta os montes, avança com destino certeiro e sempre traz um segredo na boca perfumada de jardins distantes.
Eis que a voz do silêncio é ouvida a todo instante e em todo lugar, bastando que o coração esteja desejoso de escutá-la e dialogar com seus mistérios. O ouvido não ouve, mas no coração ressoa toda silenciosa palavra.
Há voz do silêncio na fotografia antiga, esquecida em baús, abandonada nos porta-retratos escondidos, pendurados em paredes velhas e empoeirados. É uma voz tristonha, saudosa, angustiante, que vai chegando como bem distante.
Há voz do silêncio na simples imaginação. A mente dialoga com a ideia, com a imagem, com a feição, e logo há uma interlocução entre os seres que se distanciam pelas circunstâncias.
Há voz do silêncio no pensamento premeditado, na busca visual do outro ou de uma situação ou momento que sempre se traduz num grito, num clamor dolorido e entristecido.
Ora, não há silêncio que permaneça em silêncio diante do passado gratificante ou melancólico, diante de uma recordação dilacerante, diante de uma lembrança que faça sorrir ou chorar, perante uma imagem no espelho do tempo ido.
Não há silêncio que insista em silenciar diante da voz saudosa do coração, da vontade de ver, de ouvir, abraçar, se jogar perante o outro corpo para sentir sua presença e seu calor.
Não há silêncio que suporte permanecer calado quando vem à mente uma canção antiga, uma velha música onde cada verso parece uma fotografia de dois e seus inesquecíveis momentos.
Não há silêncio que sufoque o grito ao ter em mãos e reler uma carta de amor casualmente encontrada, uma fotografia singela de alguém tão importante, uma poesia sem nome e escrita para alguém, uma simples lembrancinha trazida pelo vento.
Não há silêncio que não se transforme em voz sobressaltada, aflita, angustiada, assim que a imaginação traga a possibilidade de novamente encontrar quem tanto se deseja avistar. E tudo dizer do silêncio que se fez sofrimento por tanto tempo.
Todos ouvem a voz do silêncio. Todos são capazes de ouvir essa voz. E não há como fugir desse som que chega até mesmo entre paredes impenetráveis. E isto porque a voz não vem de fora, mas do íntimo de cada um.
A voz do silêncio é, assim, a ressonância do indivíduo perante os seus pensamentos, suas saudades, suas relembranças, suas recordações. Tudo que vem à mente se transforma em imagem, e esta sempre provoca uma voz.
E fato inusitado pode acontecer. Muitas vezes as gritarias e algazarras de uma multidão deixam de ser ouvidas porque o íntimo deseja silêncio. Simplesmente a pessoa se distancia da realidade presente para se voltar apenas para o seu silêncio íntimo.
Então o silêncio da alma traz a voz que bem desejar. E a pessoa jamais deixará de ouvir essa voz.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

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