Rangel Alves da
Costa*
Tipicamente
nordestina, com moradia e chão pelos esturricados caboclos, a baraúna simboliza
a grandiosidade da natureza sertaneja. Mas não somente isso, pois seu tronco,
sua raiz, suas galhagens e seu sombreado, representam o convívio cordial entre
o homem e o meio mais inóspito.
Imponente,
grandiosa e robusta, a baraúna é uma das mais belas filhas da caatinga.
Certamente vaidosa, faceira demais, solene, porém solitária. Sozinha no meio do
tempo, mas dizem que prefere que assim aconteça. Sozinha na imensidão
catingueira, assim amanhece e anoitece com a certeza que será visitada pelo
viajante e por qualquer um que passe pelos arredores.
Conhece
histórias de arrepiar, mas também de alegria e encantamento. Já avistou o
impossível de ser avistado, já foi soprada pelo vento mais feroz que podia
existir. Presenciou instantes de paz e de guerra, foi cama e alento da luta
cansada; foi berço e quietude depois da refrega. Foi respingada de sangue de
incontáveis emboscadas; ouviu o jagunço chorar por não poder fugir de sua sina
sanguinária.
É filha de
outro tempo, de um tempo onde o sertão ainda era só mataria, vereda, espinho e
bicho por todo lugar. Viu quando os primeiros aventureiros chegaram de facão na
mão, cortando tudo, derrubando tudo, abrindo caminhos e tirando de vez a paz do
lugar. Sentiu a lâmina na sua pele, sangrou, mas era forte demais para ser
derrubada por qualquer um. E lá permaneceu para viver e fazer parte da própria
história do sertão.
Entristeceu
de chorar ao sentir as grandes transformações que a cada dia iam surgindo.
Amiga do frescor do vento, dos animais, dos seres encantados, foi percebendo
tudo ficar mais escasso e diferente. Crescida e vivendo ao lado de aroeiras,
angicos, cedros, craibeiras, jatobás, bonomes, além de infinidade de
catingueiras e gameleiras, aos poucos viu a mataria fechada sendo descoberta,
mostrando uma triste e desoladora nudez. E o sumiço angustiante de suas irmãs
de mataria.
O tempo
passou, quase tudo foi sendo arrancado, derrubado, destruído, e somente ela
permaneceu em pé na sua moradia. Hoje já se sente envelhecida, com marcas
profundas na sua alma, quase apenas uma sombra do muito que já foi um dia.
Diferentemente do que ocorria antes, quando os caminhantes a procuravam aflitos
para o descanso, hoje é ela que tanto precisa ser visitada, se sentir ainda
capaz de dar conforto e servir de repouso.
Por isso
sorri quando avista alguém ao longe e chora demais em cada despedida. A cada um
dá um adeus como se não fosse mais avistá-lo; a cada um acena o lenço na
folhagem e silenciosamente grita que tenha sorte na estrada. E estrada
sertaneja que ficará mais triste e desolada quando não mais restar nenhuma
grande árvore no seu percurso. E tudo pela mão da sanha cruel e devoradora do
progresso.
Após cada
partida, depois de enxugar as lágrimas que escorrem pelo tronco, se põe a
pensar no seu percurso de vida, na sua história. E recorda que não só dava
sombra e cama aos viajantes cansados como servia de quarto de repouso também
para os animais. Os bichos ficavam tão contentes debaixo dela que nem precisavam
ser amarrados para não fugir. Os viajantes deitavam ali cansados, mas sempre
com tempo de sonhar sonhos bons e todos eles como se a baraúna estivesse
falando com eles. Siga adiante, mas faça isso e não faça aquilo se quiser me
ver novamente. Era o que a danada dizia a todo mundo.
Mas não
era só isso não, pois o seu tronco passou a servir também como espécie de
oratório, como uma igrejinha a céu aberto aonde todo viajante se ajoelhava para
rezar, fazer suas promessas ou simplesmente conversar com Deus, com os anjos e
os santos. Um dia quiseram cavar sepultura ao seu redor, mas não deixaram,
afirmando ser árvore da vida e não da morte. Porém mais de vez velaram pessoas
debaixo dela, choraram a dor da partida e da saudade. E sem esquecer que muitos
tombaram sem vida diante do seu olhar.
Eis que a
baraúna conheceu Lampião e seu bando, mas também a volante raivosa e
desregrada. Gostava quando o Capitão do sertão chegava por ali porque ele
sempre guardava um tempinho para um segredo ao pé do seu ouvido. E quase sempre
dizia que haveria um tempo que até os mais destemidos, como ele e a baraúna, se
dobrariam ao destino. Pois tudo haveria de ser assim. Porque tudo assim naquele
imenso sertão.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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