*Rangel Alves da Costa
Diz o ditado popular que água mole em pedra
dura tanto bate até que fura. Ou dizendo de outra forma: não há o que persista
que não consiga vencer a resistência. Ou ainda a tenacidade e a perseverança
rompendo o impossível.
Ante a pedra, aparentemente a água que
respinga não surte efeito algum. Cada pingo vai batendo e escorrendo, vai
caindo para depois sumir se derramando. E a pedra continuando firme, intacta,
dura.
Mas a cada pingo caindo, bastando apenas uma
gotinha de nada, e já provocando imensa e profunda transformação.
Imperceptível, ocultamente, mas cada gotícula vai deixando sua marca em cima da
dureza da pedra. Lava. Bate. Novamente bate. Novamente vai caindo. Vai
afastando um grão. Vai abrindo um sulco. Vai furando a pedra.
Assim em tudo. A água do mar respingando nas
muretas, nos costados, nas paredes grossas, e tudo parecendo apenas molhado.
Mas molhação salgada, ácida, algo como punhal afiado que vai rompendo o que
aparentemente é indestrutível ante tão inusitada ameaça.
Ou como a ferrugem que vai se formando como
nódoa amarelada por cima do ferro e de repente já está carcomendo tudo,
penetrando nas entranhas mais duras e dizimando toda a força que há. A ferrugem
devorando o ferro como se este fosse o mais frágil dos minerais.
Ou ainda a lágrima. Haverá algo mais poderoso
que a tão frágil lágrima? Haverá fio mais cortante ou lâmina mais afiada que o
filete de uma lágrima? Haverá ácido mais potente e corrosivo que o brilho de
uma lágrima escorrendo pela face entristecida? Haverá poder de destruição maior
que o da lágrima de dor derramada?
Mas uma lágrima é quase nada. Apenas uma água
mole, uma água frágil, uma água que lentamente cai pelas bordas do olhar. Rio
que transborda leve, lento suave. Córrego que vai se despejando em silenciosa
mansidão. Pergunta-se, ainda: o que se esconde na lágrima que desmente tudo o
que se tenha como paz e tranquilidade?
A devastação, o sofrimento, a dor, a
angústia, a aflição. Assim por que a lágrima é uma água mole, um líquido que
desce suave, mas que provoca uma enxurrada de ventanias e vendavais, de
furacões e turbilhões, de tempestades e devastações. O que vem na lágrima é
espantosamente fúria.
Tudo água mole que tanto bate até fura.
Quantas lágrimas um ser haverá de suportar até definhar a alma, assim como a
ferrugem destrói o ferro? Quantos respingos inocentes de chuva cairão sobre o
ser humano até que a alma se encharque completamente. Ora, respingos de
saudade, de solidão, de nostalgias e relembranças.
Não se pode brincar com água, muito menos com
a água mole. Tudo pode parecer apenas um grão, um pingo, uma nódoa, um quase
nada, mas que de repente se transforma em algo destrutivamente estarrecedor. É
do nada surge o tudo, do inexistente exsurge o acontecimento, do descreditado é
que surge a verdade.
Sim, por isso mesmo que água mole tanto bate
até que fura. Seja na pedra dura, seja no ferro, seja no diamante, seja no ser
mais insensível que possa existir. É tudo uma questão tempo, de constância, de
continuidade. Assim como os segundos, as horas, os dias, os meses, os anos, a
idade em si.
Tudo vai acontecendo lenta e
imperceptivelmente. Tudo uma água mole em pedra dura. A saúde inabalável que
não existe, a força interminável que não existe, o poder absoluto que não
existe, a indestrutibilidade que não existe. O que existe é apenas a certeza de
corrosão, de esvaimento, de perecimento. Então a pedra dura já estará
transformada em restos.
Acaso não acredite, então deixe que a lágrima
escorra sempre sobre sua face. Acaso imagine que suportar tantos e contínuos
sofrimentos, então deixe que as lágrimas vão simplesmente escorrendo sobre a
face. E de repente já não se avistará no espelho da existência.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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