*Rangel Alves da Costa
Menciono o termo matutice sem preconceito ou
discriminação ao sertanejo, ao homem da terra, ao caboclo da aridez nordestina.
Não se tenha, pois, como termo pejorativo, no intuito de macular a imagem de
tão primoroso cidadão. Ora, também sou sertanejo, tenho-me como matuto e muito
me honra ter nascido nas lonjuras sergipanas do São Francisco, em meio a um
mundo de secas e sofrimentos, debaixo do sol e tendo a lua grande como alento
bom depois da refrega do dia.
Homem da terra, da enxada e da foice, do
arado e do machado, de uma simplicidade sem igual, mas também de inteligência
sem par. Reconhecida é a sabedoria matuta, de lições e livros abertos desde os
tempos primeiros, folheados de geração a geração através da palavra, do
exemplo, dos costumes na vida. O homem da terra é sábio, é profeta, é adivinho,
é professor, é conhecedor dos mistérios do tempo e de todos os mistérios. E
quando mais envelhecido mais alçado ao panteão dos glorificados pela sabedoria.
Ninguém conhece mais de remédio caseiro que a
velha senhora. Ninguém conhece mais de tempo chuvoso ou não do que o sertanejo.
Ninguém tem poder igual ao caboclo matuto de adivinhar o que há nas entranhas
da mata. Ninguém cura melhor todo tipo de enfermidade, utilizando somente de
rezas e benzimento, do que a senhorinha agrestina. Ninguém além do sertanejo
traz na palma da mão um livro escrito no calejamento dos dias, traz no sangue e
na pele a lição maior de uma vida. De sua boca não sai senão aquilo cuja valia
é maior que qualquer sentença de magistrado ou jurisprudência de tribunal.
Ademais, sempre fui do entendimento que o
conhecimento popular possui igual – ou mesmo maior valor - aos demais tipos de
conhecimentos, principalmente o científico. Não se esquecendo do fato que a
Ciência, mesmo com seus títulos e honrarias, pode ser refutada e jogada ao
esgoto em qualquer instante, desde que um novo conhecimento surja que lhe tire
a validade de primado irrefutável. E o mesmo não ocorre com o conhecimento
autenticamente popular, aquele passado de geração a geração, enraizado desde os
primeiros tempos e repassado ao longo do tempo.
Daí que eu prezo muito mais um bom proseado
entre matutos, entre homens do campo, entre sertanejos catingueiros, a qualquer
conclave, reunião, discussão acadêmica, debate aflorado nos honoris causa. As
teorias, por vezes, são incompreensíveis até mesmo aos teóricos. Os tecnicismos
e os academicismos impedem as mínimas compreensões dos postulados. Não somente
isso, pois existe uma filosofia insuportável, pedante, incompreensível, que
tudo diz e nada diz, chegando a conclusão nenhuma, e aquela que chega aos
ouvidos como verdadeiro livro aberto.
Vamos aos exemplos. A ciência meteorológica
diz que vai chover tal dia e tal hora em determinado lugar. E se não chove,
logo vem a desculpa que uma frente fria ou uma precipitação qualquer desviou a
nuvem noutra direção. Mas com o homem do mato é diferente. Quando ele olha para
a barra do horizonte logo vem a sentença de chuva ou não. E não há quem prove o
contrário. Conhece a chuva pelo balançado das folhagens, conhece o
prolongamento da seca pelo voo dos passarinhos. Conhece o tempo bom e o tempo
ruim pelo simples olhar da experiência.
E então vai a medicina cobrando milhões para
o mesmo serviço que as mãos de uma boa e velha parteira faz por amor ao ofício.
E vem a psicologia dizendo que a vida é assim ou assada, enquanto o pai de
família responsável chama seu filho num canto e lhe dá toda a psicologia da
vida. Enquanto o médico passa uma receita com tarja preta, caríssima e
dificílima de ser despachada, a senhorinha vai lá ao quintal e traz na mão a
farmácia pronta e a cura perfeita. Ou o velho alquebrado chega ao pé do balcão
e pede o remédio da hora. E acabou-se o reumatismo.
Mas o forasteiro que nada disso conhece e
avista o sertanejo na sua matutice, na sua pouca palavra e no seu jeito humilde
ser, logo tende a dizer que ali apenas mais um vivente dos sofrimentos impostos
pelo homem e pelas securas da terra. Desconhece, pois, da raiz que brota a verdadeira
sabedoria. Nada conhece de um saber tão profundamente original que até mesmo o
silêncio é lição. O homem da terra sabe que nenhuma valia possui a palavra se
da boca não sair a verdade a ser ouvida e acredita.
Recordo, por fim, o que disse o chapéu velho
de couro ao anel dourado do doutor imponente: O brilho maior é o do sol mais
quente e trago ele por cima e por dentro de mim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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