*Rangel Alves da Costa
Nanô é o apelido de um sertanejo de Poço
Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco. Já passado dos oitenta
anos, ainda assim se mantém no ofício diário de abrir as portas de seu botequim
para servir aos interessados numa cerveja gelada, numa pinga da boa ou numa
casca de pau preparada com esmero e dedicação.
Botequim mais que tradicional, igualmente o
seu vendeirim, pois o mesmo possui algumas peculiaridades mais que famosas. É
homem de poucas palavras, de nenhum disse-me-disse, de nenhuma conversinha afiada.
Com ele tudo se resolve num instante.
Possui também a fama de ser até ignorante,
pois responde na língua tudo aquilo que não lhe pareça proveitoso. Não gosta de
quem chega pedindo fiado nem quem se demora demais no pé do balcão. Faz cara
feia para quem chega com dinheiro graúdo pra pagas coisa pouca nem daquele que
passa horas e horas sentando com a mesma cerveja.
Também não gosta de deixar que a pessoa leve
sua garrafa com a casca de pau. Tem que ser muito amigo pra sair de seu
botequim levando garrafa com o preparado e tudo. Mas com o tempo certo de
retornar a garrafa. Do contrário nunca mais receberá favor algum. Apenas um
jeito próprio de ser e de comercializar seu produto.
Quem conhece Nanô e seu botequim sempre
percebe que o homem que o homem não é tão assim como falam, não é grosso nem
ignorante como desejam passar a imagem. É apenas um vendeirim que preza pelo
respeito e pela consideração. Quando se mostra mais afetado na hora de servir
um ou outro, assim exatamente porque já conhece a fio sua freguesia, já sabe
que merece mais atenção ou não.
Eu já não viro uma boa golada de pinga já
desde uns dez anos, mas ainda assim de vez em quando estou por lá para encher
litros que são servidos aos amigos em visitações. E de vez em quando, nos
finais de semana em que estou no sertão, passo na sua venda pelo simples prazer
do proseado, pois sou apreciador de um bom e prolongado diálogo com os mais
velhos, conhecedores por excelência dos tantos causos sertanejos que tanto me
interessam. Então sempre em vejo em Nanô um proveitoso interlocutor.
Foi dessas visitas e proseados que fui
juntando um rosário de conhecimentos acerca do vendeirim e que hoje chamo de
Receitas de Nanô. São contextos nascidos da percepção, da palavra e até do ouvi
dizer, e tudo juntado formando a caracterização do homem e do seu jeito tão
próprio de comerciar suas bebidas, principalmente a famosa casca de pau, que é
a pura aguardente de engenho misturada a ervas, casca, folhas e raízes de pau.
E assim segue o receituário de Nanô:
1. Na sua venda tudo é legítimo, desde a
aguardente sem mistura (ou aguada, como se diz pelos sertões) à raiz, casca ou
folha de pau da melhor qualidade e utilizada no tempo devido e na quantidade
certa.
2. A casca de pau, para tomar gosto e sabor,
sempre requer amadurecimento, um tempo mais prolongado de depuração. Daí que o
mesmo logo avisa ao bebedor se a pinga desejada está ou não na melhor qualidade
para ser bebida.
3. Segundo Nanô, quem chega com dinheiro
graúdo pede é cerveja e não casca de pau. A pinga é pra dinheiro pouco,
trocado, miúdo, sem precisar de muito esforço para passar troco. Já a cerveja
requer mais tostão, mais dinheiro, de modo que o bebedor beba quantas quiser
com a certeza que vai pagar.
4. Fiado de jeito nenhum. Também não é aceita
essa história de depois de beber botar as mãos no bolso e dizer que esqueceu o
dinheiro. bebe quem pode e quem vai beber tem de primeiro saber se tem como
pagar, sob pena de se arrepender da pinga tomada. E assim por que Nanô não se
exime de dizer umas duas aos que se metem a espertinhos.
5. É melhor vender pouco pra cliente bom do
que vender muito pra cliente ruim. Cliente bom é aquele que bebe e paga sem
problema, que chega com dinheiro miúdo, que não é conversador nem mentiroso. E
também que não senta numa mesa achando que está em casa.
6. Casca de pau da boa só presta se for
preparada com cachaça legítima e com a mistura da melhor qualidade. Quem bebe
pinga quer sentir o sabor da raiz ou da casca de pau, saber se é angico ou
quixabeira, se é hortelã ou ameixa. Não adianta querer enganar. A pessoa bebe e
não volta mais.
Assim o amigo Nanô espalhando sabedoria pelos
sertões. E com uma clientela que já está ao pé do balcão desde o alvorecer. Até
o meio-dia, muitos já ficaram bêbados umas três vezes.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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