*Rangel Alves da Costa
O mundo não, a vida não, a existência não,
mas as pessoas são assim: concebem sempre ao seu modo as visões que possuem
sobre as baratas e as borboletas. Apenas uma analogia às demais situações de
vida. Mas, indaga-se: Baratas são sempre feias e borboletas são sempre lindas?
E assim também com relação às manhãs e às
noites, aos flamboyants e às cerejeiras, às goiabas e às jabuticabas, às maças
e às uvas. Tudo uma questão de percepção, de gosto, de aceitação. Alguns não
gostam de chuva, outros não gostam de sol. As preferências vão sendo
assimiladas pelo prazer que possam fruir.
A verdade é que de muitas formas as pessoas
assumem os conceitos sobre as coisas. Conceitos ou definições em palavras não
significam quase nada perante as percepções da mente. É a mente que faz as
escolhas, que molda a percepção do belo e do feio. Ora, baratas e borboletas
são igualmente insetos. Mas por que são mentalmente concebidas de forma tão
diferentes?
A barata sequer precisa ser definida,
conceituada ou nomeada. Para a maioria das pessoas, falar em barata logo lhe
vem a ideia de algo nojento, rastejante, asqueroso, talvez o mais repugnante
dos insetos. Neste sentido, se afirma que ter sangue de barata também é ser
imprestável, complicado, de difícil trato. Diante dela ou apenas na percepção de sua
existência, a pessoa grita, sobe em cadeira, sequer entra na casa se souber que
por ali ela faz moradia.
O monstro de Kafka, ou seja, aquela barata
repulsiva que vai exsurgindo no ser, toma a forma de tal inseto exatamente para
simbolizar a aversão humana ante o que acredita como nojento, desprezível e
abominável. A pessoa não é rejeitada pela transformação que lhe acomete, mas
pela imagem monstruosa que passou a ter. A percepção humana perante a
metamorfose seria muito diferente acaso o ser se transformasse, por exemplo, numa
lagartixa.
Tem gente que também tem nojo da lagartixa,
de seu rastejo, de seus hábitos, mas nada igual a repulsa sentida pela barata.
Não pela barata em si enquanto inseto, mas pela noção que se passou a ter sobre
ela. E assim por que a pessoa não tem medo da barata, mas a evita pelo nojo que
sente, pelo asco que logo vem perante sua presença. Ao ter incutido sobre si
tal desprezo, a barata seria igualmente evitada acaso passasse a ter a
aparência de um colibri.
A bem dizer, nunca vi ninguém afirmar que
gosta de barata, que ama barata, que cria barata, que possui afeto e carinho
por baratas. Muita gente cria cobra, gambá, animais silvestres, pombos e até
predadores, mas nunca vi um criatório de baratas. Mas são apenas animais.
Contudo, tornados repulsivos exatamente pela capacidade de escolha humana,
ainda que não sejam plausíveis as justificativas por tanto ódio aos pequenos
insetos.
Compreensível, e ao mesmo tempo
incompreensível, que assim seja. Ninguém é forçado a gostar de baratas. Mas por
que a grande maioria das pessoas prefere estar nas proximidades de uma abelha a
estar diante de uma baratinha de canto de casa? Ou mesmo ante uma cobra ou um
tigre? Por que elegeram a barata como seu inseto de aversão. Simplesmente isso.
Neste sentido, toda a percepção de como o ser
humano se ilude perante suas escolhas. Todo mundo ama borboletas, gosta de
borboletas, poetisa suas vidas diante de borboletas, sente alegria e
contentamento perante sua presença. Será por que as borboletas não são
nojentas, asquerosas e repelentes? Não. Simplesmente por que o ser humano assim
quer, assim deseja.
Pensando bem, a borboleta vem de um inseto
que, sozinho, é tido como demasiadamente asqueroso. Quem gosta de larva, de
lagarta? Sim, a borboleta vem de uma larva, de lagarta feia, molenga,
repelente. E mais: antes de se transformar em borboleta, a lagarta vai soltando
a pele, vai soltando escama, até surgirem as primeiras asas. E depois disso
todo o encantamento do mundo.
Mas perante uma borboleta ninguém vai buscar
as origens ou a forma de surgimento de tanta e multicolorida beleza. O passado
repulsivo da borboleta é esquecido de vez, pois ante o inseto tão adorado e
poético não há mais lugar para outras visões. Daí em diante somente a poesia em
voo, a beleza da presença, a simbologia da perfeição. Tanto assim que García
Márquez embeleza sua fantástica narrativa em Cem Anos de Solidão com borboletas
povoando o mundo inocente da bela Remedios.
E apenas um inseto. Como inseto é também a
barata. Em um o olhar de encantamento. Em outro o nojo, apenas. Mas tudo
nascido apenas na mente humana. E o mesmo se diga com relação a outras
realidades da vida, onde as verdades cedem lugar às aparências segundo o gosto
de cada um. Dependendo da situação, até mesmo a esperteza pode dizer que ama
uma barata. Dependendo de seu dinheiro, de seu status, de seu poder.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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