SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Palavra Solta - a velha senhora


*Rangel Alves da Costa


“Cuidado menino. Se passar um vento mau enquanto você estiver fazendo careta, com a língua de fora ou com a boca torta por brincadeira, nunca mais vai se ajeitar. Vai ficar torto pra sempre”. Era costumeiro ouvir coisas assim dos mais velhos. Conheci uma velha senhora que nunca tinha ouvido falar em farmácia, sequer sabia o que era. Meninote, certa vez disse-lhe que remédio bom era o de farmácia e o que ouvi de volta foi de jamais esquecer: “Nunca que soubesse que vaca fazia remédio”. E ajuntou: “Mas quintal faz remédio sim e dos bons. Mastruz, hortelã, erva-cidreira, macela, boldo, tudo o que é folha e tudo o que raiz”. Mas gostava mesmo era de apontar um tamborete no canto do quintal, perto do purrão, mandar sentar, e depois lançar mais de ramos de mato e começar a me benzer de cima a baixo, principalmente cruzando a cabeça e indo e voltando pelos ombros. Se os ramos não murchassem é que o mau olhado não havia recaído por cima de mim. Do contrário, os ramos eram jogados distantes, bem nas lonjuras do monturo, e depois ela se achegava já com a reza na boca e um rosário entre os dedos. Agora segurando o rosário numa mão e na outra os ramos, ia fazendo mil sinais da cruz em minha testa, murmurejando uma infinidade de misteriosas palavras, e por fim, como se já estivesse muito cansada, dizendo: “Cuidado, meu filho. Fechei a boca da noite pra escuridão não entrar em você. Mas cuidado. O mundo é bom mas o mundo é ruim. Não saia na porta com o pé esquerdo nem se alevante sem o sinal da cruz. Agora vá. Nunca se esqueça que o mundo é bom mas o mundo é ruim. O bom mesmo era se existisse o mundo sem a maldade em certas pessoas desse mundo”.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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