*Rangel Alves da Costa
Vou logo ao ponto. Quando o livreiro, editor
e estudioso do cangaço Francisco Pereira Lima, o tão conhecido Professor
Pereira, publicou uma nota nos grupos de estudos dos fenômenos sociais
nordestinos, conclamando a família do escritor Luis Wilson para a necessidade
da reedição de uma obra de sua autoria, o fez exatamente pela compreensão de
sua importância no contexto nordestino e, mais de perto, para o conhecimento
daqueles testemunhos pelos novos pesquisadores.
Remetendo ao livro “Vila Bela, os pereiras e
outras histórias”, de Luis Wilson, eis a íntegra da nota do Professor Pereira:
“Seria ótimo que este livro fosse reeditado. Ótimos conteúdos de Genealogia,
Coronelismo, Cangaço e lutas de Família. Mas não encontramos para atender a
demanda, que é grande. Espero que a Família do autor tome essa iniciativa”. Acentua-se
aí a importante observação: “Ótimos conteúdos de Genealogia, Coronelismo,
Cangaço e lutas de Família”.
E mais adiante, o comentarista Francisco
Cartaxo faz importante observação. Diz Cartaxo que alguns livros importantes já
foram reeditados, tais como os de Ulysses Lins de Albuquerque e outro de Luiz
Wilson, sendo este “Roteiro de
velhos e grandes sertanejos". Os livros de Ulysses Lins de Albuquerque
citados por Cartaxo foram “Um Sertanejo e o Sertão (memórias)”, “Moxotó Brabo”
e “Três Ribeiras”. De qualquer modo, a reedição mostra-se de fundamental importância.
Ora, qual pesquisador de hoje não deseja ter um Maria Isaura Pereira de
Queiroz, um Nertan Macêdo, um João Gomes de Lira, um Ranulpho Prata, dentre
tantos outros?
O memorialismo ganha particular importância
neste contexto. Se uma obra é de cunho memorialista, buscando retratar um
contexto familiar ou social, de forma mais ampla ou não, sua importância não
pode ser menosprezada pelo pesquisador. E assim pelo fato de que, por exemplo,
um livro não necessita tratar especificamente sobre o cangaço ou sobre o coronelismo,
o beatismo ou a genealogia familiar, para dele ser possível extrair elementos
essenciais para a compreensão de fenômenos mais abrangentes. Mesmo uma obra de
diversificado conteúdo, pode muito bem conter retalhos essenciais que precisam
ser conhecidos.
Considerando-se ainda que as velhas memórias
publicadas contêm quase que verdadeiros testemunhos presenciais, logo se
verifica a sua proximidade com a veracidade dos fatos. Ao se debruçar sobre a
própria história ou de seu contexto familiar, ao escrever sobre realidades
vivenciadas ou extraídas de fatos conhecidos, o autor vai além de ser mero
escritor-pesquisador para se afeiçoar ao próprio personagem.
Desse modo, quando um livro de memórias
inclui nas suas páginas feições vívidas de algum tipo de coronelismo, a
abordagem feita corresponde não à generalidade coronelista, mas sobre a atuação
específica de determinado coronel. Daí ser possível entender com maior
profundidade o funcionamento daquele clã comandado pelo seu senhor e até mesmo
sua exteriorização de poder.
O mesmo se diga com relação ao cangaço.
Quando o memorialista conta causos cangaceiros, situando sua família, ele
próprio ou sua povoação, transcreve a realidade – ao menos aproximada – e não o
que foi extraído de pesquisas ou de outras páginas. Ao fazer isso, pormenoriza
situações nem sempre conhecidas ou abrangidas em outros livros de temática
geral. Há no memorialismo esse dom da transcrição visual dos fatos, da
aproximação do fato à realidade, permitindo uma compreensão sem enfeites ou
disfarces.
Acrescento que o ofício do memorialismo é
exatamente tirar do caderno da memória o que foi vivenciado ou conhecido
proximamente. Neste aspecto a sua importância maior como retrato fidedigno ou
aproximado de contextos sociais. Assim, quando da memória surge o relato de um
episódio cangaceiro, vivenciado ou testemunhado pelo calor da hora, logo se
presume com maior veracidade que qualquer outro. Nada faz crer que a memória
apenas minta ou invente para agradar ou inverter a realidade.
Daí razão na preocupação do Professor
Pereira. Os livros atualmente publicados não passam, em grande parte, de
compilações das abordagens de outros livros. Há o embrulho, mas não o cheiro do
suor da luta, da fumaça da pólvora, do sertão marcado pelas tantas vinditas de
sangue. É preciso, pois, buscar naquelas memórias antigas os seus testemunhos
de um tempo emoldurado na veracidade.
Tais autores nunca envelhecem. É a
importância do conteúdo, ainda que apenas em retalhos, que os tornam essenciais
para a compreensão de recortes históricos tão importantes para, num remendo
aqui e acolá, permitir o que hoje chamamos historiografia.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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