*Rangel Alves da Costa
Cuidado. Não olhe para trás. Nem sempre será
tão boa a visão que se deseja ter ao olhar para trás. Por isso mesmo é melhor
não olhar para trás. Talvez até que seja proveitoso ir buscar no passado, nos
idos da vida, as velhas lições e ensinamentos, mas tendo muito cuidado com o
que deseja reencontrar.
O que está atrás ou o que ficou para trás sempre
provoca sensações de desconforto e dor. Quem vai embora não quer ver ninguém
chorando, de lenço à mão, ao olhar para trás. Aumenta o sofrimento tanto em
quem vai como em quem fica. Então será melhor não olhar para trás.
Mesmo que a nostalgia atice, chame, tente a
todo custo olhar para trás e relembrar o passado, corre-se o risco de não ter
como escolher aquilo que se deseja recordar. E muito do passado jamais se quer
recordar. Então, já que se tem uma estrada adiante, insistir em mudar os planos
e novamente ter o que já passou?
Desde os tempos primeiros, pelos relatos
bíblicos, mito ou conhecimento popular, o ato de olhar para trás nem sempre foi
o mais acertado. Surpresas indesejáveis podem ocorrer. O que está atrás, à
espreita nos cantos escurecidos, espera somente que o outro se volte para a sua
visão estarrecedora.
Foi por ter olhado para trás que a mulher se
transformou em estátua de sal. Foi por ter olhado para trás que o semideus quebrou
o pacto e teve de amargar a dor de avistar sua amada retornando às profundezas.
Foi por ter olhado para trás que a pessoa de repente se viu petrificada pelo
olhar odioso.
Então, será uma ação inteligente a de olhar
para trás? Creio que não, e muito mais quando há ordem, proibição ou conselho
para evitar, a todo custo, que assim proceda. Se há indicação no sentido de
evitar é por que uma consequência ruim poderá ocorrer.
A mulher de Ló foi imprudente, não deu
importância à proibição de olhar para trás e pagou caro por causa disso. Não
obedeceu a ordem de não olhar e foi transformada em estátua de sal.
Com efeito, quando o Senhor fez chover
enxofre e fogo sobre Sodoma e Gomorra, somente a Ló, sua esposa e filhas, foi
concedido o direito de se livrarem da destruição, mas com a condição de que em
fuga nenhum deles olhasse para trás.
“[...] Escapa-te por tua vida; não olhes para
trás de ti, e não pares em toda esta campina; escapa lá para o monte, para que
não pereças (Gênesis 19:17). Então o Senhor fez chover enxofre e fogo, do
Senhor desde os céus, sobre Sodoma e Gomorra; E destruiu aquelas cidades e toda
aquela campina, e todos os moradores daquelas cidades, e o que nascia da terra.
E a mulher de Ló olhou para trás e ficou convertida numa estátua de sal (Gênesis
19:24-26)”.
Na mitologia grega, foi Eurídice, a falecida
esposa de Orfeu, que depois de ser salva do Hades, que novamente retornou ao
submundo dos mortos após seu amado descuidar e descumprir a ordem de não olhar
para a esposa, que vinha logo atrás, até que estivessem sob a luz do sol.
Orfeu, para ter certeza que a esposa o
acompanhava, negligenciou da ordem recebida e olhou para trás. Que ato mais
impensado! No mesmo instante sua Eurídice se transformou em espectro e
novamente desceu ao mundo inferior. Ele que tanto havia lutado, que conseguira
fazer de sua música o renascimento da amada, novamente a perdeu pelo simples
gesto de olhar para trás.
E o que aconteceu com aquele grego que no
labirinto da Medusa olhou para trás, e logo no instante que a monstruosidade
com cabelos de serpente aguardava exatamente tal gesto? O herói Perseu
decapitou-a exatamente porque ao invés de olhar para trás, fez de seu escudo um
espelho para avistá-la às suas costas. E quando se virou de olhos fechados já
foi para dar o golpe certeiro.
Desse modo, o melhor mesmo é evitar olhar
para trás. Deuses, semideuses e heróis sofreram por terem olhado para trás. E o
que faz um simples humano a todo instante olhando para trás?
Sim, olhar para trás não traz sempre uma
consequência ruim. Existe saudade boa, existe lembrança boa, existe um olhar ao
passado que rejuvenesce e faz engrandecer. Mas nem tudo deve ser avistado
naquilo que já das costas do tempo adiante. Muitas lágrimas surgem assim.
O melhor a fazer é usar o presente e o futuro
como se fossem o escudo de Perseu ao avistar a górgona Medusa. Voltado para
frente, o semideus enxergou pelo escudo o que lhe espreitava às costas. Não
precisou olhar para trás quando deu o golpe certeiro. Já sabia que ela estava
ali.
Distante de ser um semideus, o homem comum
tem como escudo sua própria experiência de vida. E por conhecer o passado, o
que ficou para trás, evita sempre se deparar com os monstros ávidos para
novamente atormentar. Então faça o mesmo e não olha para trás.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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