*Rangel Alves da Costa
Pretendo em verso cantar um ofício tão
distinto que foi perdendo o seu lugar, um afazer sertanejo que hoje quase não
há, que é a batida do feijão e todo o seu rodear, desde a colheita da baje ao
grão e seu ensacar. Coisa comum noutros dias, num passado de alegrias, onde nem
mesmo a pobreza tirava suas magias, na simplicidade de um povo suas lutas e
valentias. O comum entre os comuns, nas vidas mais arredias, nas vidas de sopro
e vento e de domar ventanias. Toda a vida de um povo e suas alegorias.
No sertão
de antigamente, e na saudade que a gente sente, a batida de feijão era um
festejar diferente. Ao sertanejo o melhor presente, no viver o que lhe
consente. Das roças mais afastadas, ou daquelas nos beirais das estradas, os
animais em duras jornadas para transportar as braçadas. Nos lombos as caçuadas ou
nos carros-de-bois as carradas, até chegar à cidade e espalhar nas calçadas.
Colheitas
nos cantos guardadas, protegidas nas leitadas, temia-se que a qualquer hora
caíssem as chuvaradas. Mas depois no amanhecer, com as asas do sol
desfraldadas, o feijão era espalhado nas ruas empoeiradas, até que as bajes
úmidas fossem ficando ressecadas. E assim dia após dia até que todas as bajes
ficassem como tostadas, era sinal de estarem prontas para serem alquebradas.
No dia do
batimento as amizades enlaçadas, chegavam muitos amigos ajudando as
empreitadas. Juntavam tudo aos montes, de alturas elevadas, após desciam o
porrete até baixarem as juntadas. Dependendo do feijão, muitas eram as
braçadas, muitos eram os esforços e imensas as poeiradas. De madeira à mão,
forças sendo lançadas, bate que bate o feijão, batiam as mãos calejadas.
Os grãos
separados das cascas, pulando pelas pancadas, depois juntados ao redor para os
trabalhos de ensacadas, quando não eram peneirados e as bagaceiras afastadas. Nos
quintais e afastados, outras difíceis jornadas pra peneirar o feijão e as
impurezas derramadas. Na peneira sertaneja, as mãos jamais descansadas, penera
mais que penera, chega mais peneiradas. Pelos ares a sujeira dos pós e das
poeiradas.
Eram lidas
cansativas, mas logo depois festejadas. Nos aboios e toadas, nas pingas
extravasadas, o forramento da barriga para as grandes paneladas, carnes fritas
e torradas, mas também as feijoadas. Forró bom pelo salão, namoros pelas
noitadas, chamegos de todo lado, fogueiras em faiscadas.
Assim o
feijão batido na batida do passado, ofício tão sertanejo como a vida de gado,
hoje pouco inexistente ou já pelo tempo levado, mas deixando uma saudade de
olho ficar marejado.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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