*Rangel Alves da Costa
Casa abandonada ou desde muito tempo sem
qualquer morador. Portas e janelas fechadas que se abriram pelas mãos dos dias
e do vento. Uma visão de solidão e entristecimento.
A ventania invadindo e na casa fazendo
moradia. Tufos de folhas secas, poeira e pó, restos levados nos açoites de cada
dia. Sem qualquer móvel deixado, por todo lugar apenas o que a ventania
desejava levar e acumular pelos cantos.
Na parte detrás, apenas um quintal
esturricado e sem um varal sequer como recordação. Na parte da frente, adiante
da janela e da porta, um triste e abandonado jardim, um mundo solitário e
angustiante entre canteiros ressequidos.
As horas passam como se não existisse manhã, entardecer
ou anoitecer. Tudo sempre no mesmo desalento e na mesma solidão. Todas as vozes
silenciadas, todos os murmúrios calados, todos os sons simplesmente desparecidos.
Mas nem tudo. De repente os sopros velozes,
vorazes, assustadores, dos açoites chegados com a ventania. Em instantes assim,
como se tudo fosse arrastado pelos ares, as folhas secas se tronam em turbilhão
e vão adormecer pelas salas e quartos da casa abandonada.
Nem sempre assim acontece. Dias e mais dias,
meses e meses, na mansidão absoluta, na calmaria mais preguiçosa. O vento
apenas soprando, as folhas apenas voejando, as árvores farfalhando seus
segredos e mistérios.
Qualquer olhar que se lance a esta paisagem
logo entristecerá. Não haverá motivo algum para ser diferente. Um jardim de
plantas mortas, um canteiro relegado ao esquecimento, velhas amendoeiras que
despejam suas folhas em profusão.
No canto do jardim um velho e retorcido
banco. Acima da madeira apenas folhas e mais folhas secas. Abaixo e ao redor do
banco apenas folhas e mais folhas secas. Não há mais nenhuma mão que ali chegue
para afastar os outonos e sentar para apreciar a paisagem ocre.
Onde estão os pássaros, as borboletas, as
abelhas, os cantos e os madrigais? Onde estão as folhas viçosas, as flores
belas, os colibris? Onde estão a porta e a janela que se abriam e os passos que
lentamente seguiam ao seu redor?
Tudo de um dia, no passado. E tudo parecido
tão dolorosamente distante. Não se sabe bem os motivos, mas a verdade é que um
dia a porta não foi mais fechada, a janela não foi fechada, e tudo ficou na
feição melancólica e angustiante do abandono.
Depois da porta o silêncio e as folhas
entulhadas. Depois da porta, para o lado de fora, apenas a desolação. A dança
das folhas secas, o bailado das folhas mortas, a canção do vento zunindo um
mistério agonizante.
Acaso olhos tivessem avistado, a última
presença humana ali existente havia fechado a porta e a janela e saído. Não se
sabe se pegou estrada, se ficou pelos arredores, se sentou no banco, se voltou
pela porta do fundo. Ninguém sabe mais de nada depois disso.
Um dia, talvez sentindo estranheza naquela
porta e janela sempre fechadas, a ventania cuidou de se certificar se ainda
havia gente lá dentro. No primeiro dia, soprou forte e forçou as trancas. No
segundo dia, soprou ainda mais forte e sentiu que não havia mais nenhum
empecilhou.
No terceiro dia não precisou sequer açoitar.
Apenas empurrou e tudo se abriu. Daí em diante somente suas folhas secas foram
sendo acumuladas pelas dependências nuas. Tantas eram as folhas secas que de
vez em quando o próprio vento soprava de dentro pra fora para limpar.
E assim os dias foram passando. Até que a
casa, já em escombros, caísse por cima das folhas secas e tudo se transformasse
como num campo devastado de guerra. Ou apenas um cemitério e um epitáfio: Aqui
a vida, um dia!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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