SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 9 de julho de 2018

AS FOLHAS SECAS DA SOLIDÃO



*Rangel Alves da Costa


Casa abandonada ou desde muito tempo sem qualquer morador. Portas e janelas fechadas que se abriram pelas mãos dos dias e do vento. Uma visão de solidão e entristecimento.
A ventania invadindo e na casa fazendo moradia. Tufos de folhas secas, poeira e pó, restos levados nos açoites de cada dia. Sem qualquer móvel deixado, por todo lugar apenas o que a ventania desejava levar e acumular pelos cantos.
Na parte detrás, apenas um quintal esturricado e sem um varal sequer como recordação. Na parte da frente, adiante da janela e da porta, um triste e abandonado jardim, um mundo solitário e angustiante entre canteiros ressequidos.
As horas passam como se não existisse manhã, entardecer ou anoitecer. Tudo sempre no mesmo desalento e na mesma solidão. Todas as vozes silenciadas, todos os murmúrios calados, todos os sons simplesmente desparecidos.
Mas nem tudo. De repente os sopros velozes, vorazes, assustadores, dos açoites chegados com a ventania. Em instantes assim, como se tudo fosse arrastado pelos ares, as folhas secas se tronam em turbilhão e vão adormecer pelas salas e quartos da casa abandonada.
Nem sempre assim acontece. Dias e mais dias, meses e meses, na mansidão absoluta, na calmaria mais preguiçosa. O vento apenas soprando, as folhas apenas voejando, as árvores farfalhando seus segredos e mistérios.
Qualquer olhar que se lance a esta paisagem logo entristecerá. Não haverá motivo algum para ser diferente. Um jardim de plantas mortas, um canteiro relegado ao esquecimento, velhas amendoeiras que despejam suas folhas em profusão.
No canto do jardim um velho e retorcido banco. Acima da madeira apenas folhas e mais folhas secas. Abaixo e ao redor do banco apenas folhas e mais folhas secas. Não há mais nenhuma mão que ali chegue para afastar os outonos e sentar para apreciar a paisagem ocre.
Onde estão os pássaros, as borboletas, as abelhas, os cantos e os madrigais? Onde estão as folhas viçosas, as flores belas, os colibris? Onde estão a porta e a janela que se abriam e os passos que lentamente seguiam ao seu redor?
Tudo de um dia, no passado. E tudo parecido tão dolorosamente distante. Não se sabe bem os motivos, mas a verdade é que um dia a porta não foi mais fechada, a janela não foi fechada, e tudo ficou na feição melancólica e angustiante do abandono.
Depois da porta o silêncio e as folhas entulhadas. Depois da porta, para o lado de fora, apenas a desolação. A dança das folhas secas, o bailado das folhas mortas, a canção do vento zunindo um mistério agonizante.
Acaso olhos tivessem avistado, a última presença humana ali existente havia fechado a porta e a janela e saído. Não se sabe se pegou estrada, se ficou pelos arredores, se sentou no banco, se voltou pela porta do fundo. Ninguém sabe mais de nada depois disso.
Um dia, talvez sentindo estranheza naquela porta e janela sempre fechadas, a ventania cuidou de se certificar se ainda havia gente lá dentro. No primeiro dia, soprou forte e forçou as trancas. No segundo dia, soprou ainda mais forte e sentiu que não havia mais nenhum empecilhou.
No terceiro dia não precisou sequer açoitar. Apenas empurrou e tudo se abriu. Daí em diante somente suas folhas secas foram sendo acumuladas pelas dependências nuas. Tantas eram as folhas secas que de vez em quando o próprio vento soprava de dentro pra fora para limpar.
E assim os dias foram passando. Até que a casa, já em escombros, caísse por cima das folhas secas e tudo se transformasse como num campo devastado de guerra. Ou apenas um cemitério e um epitáfio: Aqui a vida, um dia!


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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