*Rangel Alves da Costa
Ontem, como em todos os anos, muitos eventos
relembraram os oitenta anos da Chacina de Angico ou da morte de Lampião. Com
efeito, naquela fatídica manhã de 28 de julho de 1938, na Gruta do Angico, em
Poço Redondo, sertão sergipano, a volante alagoana carcava o coito e disparava
para por fim ao cangaço.
Morreram Lampião, sua Maria Bonita e mais
nove cangaceiros. Pelo lado dos atacantes (volantes), apenas um: o soldado
Adrião. Mesmo em meio às inúmeras histórias fantasiosas e das constantes
indagações surgidas sobre o episódio, a verdade é que a morte do cangaceiro
maior apenas fez nascer o mito. E o mito imortalizado.
Ora, Lampião continua mais vivo do que nunca,
continua mais presente do que nunca, continua mais fincado nos sertões do que
nunca. Nem as armas, as munições, o punhal e a degola conseguiram matar
completamente Lampião. E se todo um exército disparasse contra ele - e somente
ele -, ainda assim não conseguiriam dizimá-lo de vez. Todos os exércitos do
mundo jamais colocaria fim ao cangaceiro maior.
Quanto mais morto mais vivo ele está. Quando
mais se passam os anos da chacina mais ele é avistado e visitado não só no
Angico como por todo o Nordeste. Todo mundo procura Lampião, todo mundo segue
os passos de Lampião, todo mundo dialoga com Lampião. Pode-se, então, dizer que
um homem deste morreu?
Não morreu e certamente não morrerá. E a cada
ano parece que ele rejuvenesce, fortalece-se ainda mais. Nunca se procurou
tanto por Lampião como agora. Nunca se escreveu tanto sobre o cangaço e o seu
líder maior como agora. Nunca abraçaram a saga cangaceira como agora. A bem
dizer, o cangaço deixou de ser um fenômeno acadêmico, de temática mais afeita
ao estudioso e pesquisador, para se tornar de intenso interesse popular.
A popularidade que o cangaço vem alcançando é
fato verdadeiramente espetacular. Os eventos realizados (principalmente aqueles
que levam a marca Cariri Cangaço) demonstraram bem o interesse do povo, do
homem comum, da terra, pelo seu passado e pela saga percorrida na sua estrada.
Lampião já não é visto como “bicho-papão”, como figura aterradora, como o
“além-inexplicável”.
Lampião popularizou-se de tal forma que todos
agora querem ter a “honra” de guardar consigo ao menos uma pequena lembrança
daquela história. Por isso mesmo que as missas do cangaço são tão concorridas,
que centenas de pessoas se embrenham nas matarias e carrascais para homenagear
o Capitão e os demais que com ele tombaram. E são jovens, adolescentes, pessoas
cujo interesse maior é apenas vivenciar, ao menos agora, aquele misto de
realidade trágica com trama aventureira.
Por que fazem assim? Simplesmente pelo
descortinamento da outra face do cangaço. Demorou muito, mas aos poucos foram
entendendo que o cangaço não foi somente o mal, o sangue jorrando, a
atrocidade, a covardia, a morte e o medo. Foram compreendendo, sim, o cangaço
enquanto história, enquanto realidade vivenciada por um por um povo do seu
mesmo berço sertanejo e nordestino.
E Lampião deixou de ser o cangaceiro, apenas
o cangaceiro, para se transformar num homem que, mesmo odiado, merece ser
reverenciado pela luta e pela tenacidade. Já não se discute apenas se foi herói
ou bandido, e sim a motivação e o contexto de sua luta, mas principalmente seu
poder e força em ser aquilo o que foi: indiscutivelmente um homem que fez da
luta bandida uma ação heroica.
Um homem que viveu o seu tempo para
eternizá-lo e eternizar-se, fincando para todo o sempre a imorredoura estátua
da instigante presença. Daí que já não se fala em amores ou ódios por Lampião.
A unanimidade agora é apenas Lampião. O todo tão vivo e tão buscado. Aquela
presença que está em Angico, está nos livros, está na mente de cada um. Aquele
que esteve, aquele que está e sempre estará. Se fosse apenas a maldade em
pessoa continuaria com tamanha presença? Ele ainda está e continuará por que
foi além de todo o bem e de todo o mal. Eterniza-se, pois, o homem de mil ou de
todas as vidas, o Virgulino, o Lampião, o Capitão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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