SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 26 de julho de 2018

NADA SEI



*Rangel Alves da Costa


Nada sei. Nem mil diplomas nem mil formaturas se aproximam de um velho e humilde Livro da Sabedoria.
Livro da Sabedoria escrito na velhice, pela velhice, pelo conhecimento da vida.
Nada sei. Nem mil anéis dourados de doutor nem mil pós e doutorados sequer chegam perto do antigo e carcomido Livro da Vida.
Livro da Vida escrito no conhecimento da estrada, na experiência dos anos, no viver.
Nada sei. Nem toda minha ciência nem todo o meu academicismo se aproximam do quanto se faz presente no olhar profundo e nos cabelos brancos do Livro da Idade.
Livro da Idade escrito na luta e na perseverança, na força e na fé para continuar.
Nada sei. Insipiente a sabedoria que se arvora do conhecimento mecânico, programático, metodológico, como se a letra e a fórmula fossem suficientes ao aprendizado e ao que está escrito no Livro da Experiência.
Livro da Experiência que vai sendo escrito nas rugas, nas marcas do tempo, na idade.
Nada sei. Aqueles que verdadeiramente sabem também sabem silenciar suas sabedorias. Aqueles que realmente conhecem não bradam seus conhecimentos nem gritam suas capacidades. Sabem tudo guardar no Livro da Simplicidade.
Livro da Simplicidade cujas páginas envelhecidas são legíveis a tão poucos.
Nada sei. E nada sei por que tudo o que sei sequer se aproxima do que eu deveria saber. Ora, procuro conhecer apenas aquilo que for útil ao momento e não me preocupo em novamente ler o Livro dos Dias.
Livro dos Dias que é a junção de tudo aquilo que já foi conhecido e da nova lição.
Nada sei. Passa-se apressadamente e sequer tem tempo de avistar um velho que silenciosamente medita no seu banco de praça. A pessoa vai com mil problemas para resolver e não sabe que bastaria um instante, ao lado do velho, para ser aberto o Livro das Respostas.
Livro das Respostas que em poucas palavras desvendam os mistérios e as indagações.
Nada sei. E muitas vezes nem procuro saber. Há no ser humano um desmedido contentamento em saber apenas o bastante para a resolução dos problemas mais urgentes. Poucos se preocupam em tirar as traças e reler o grande Livro de Tudo.
Livro de Tudo que está escrito na mente de cada e sua leitura se faz na própria ação.
Nada sei. Muitos nada sabem e, por orgulho, escondem o desejo de aprender. Sempre se torna difícil que se reconheçam aprendizes, que se sintam com pouca sabedoria, que se autocritiquem pelas inexperiências. Não sabem da existência do Livro da Humildade.
Livro da Humildade que mostra o ser humano como lírio do campo ante toda ciência.
Nada sei. Minha pouca fé me faz descrente de quase tudo. Não sei se existem milagres, qual a força divina, qual a seiva da religiosidade, o que foi prometido e o que é feito pelo homem. Não acredito o suficiente no Livro Sagrado.
Livro Sagrado que vai além de ser Bíblia para ser aquilo escrito no coração como fé.
Nada sei. As teimosias são como pedras que se deixam transformar em pó por não aceitarem suas fragilidades. Tudo acontece e é como se nada acontecesse. Falta o encorajamento para dizer sobre a carência. E para a leitura do Livro dos Ventos.
Livro dos Ventos que descreve a fragilidade da vida pelo desprezo ao que se deseja.
Nada sei. Creio que sempre será justo o reconhecimento de nada ou pouco saber. Somente tal compreensão permitirá que o ser humano vá juntando grãos para formar sua própria montanha. E lá do alto escrever o Livro das Nuvens.
Livro das Nuvens onde tudo é folha em branco esperando a escrita de cada um.
Nada sei perante todos estes livros. Preciso escrever o Livro do Espelho: qual reflexo sobre mim eu escreverei?


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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