*Rangel Alves da Costa
Em Poço
Redondo nunca houve uma janela mais famosa do que a de Dom. Não só a janela
como o papagaio. Eita fi da peste fofoqueiro e falador! Com vendinha onde hoje
se situa uma padaria defronte à Câmara, num comércio pequeno, porém sortido do
açúcar ao café, mas principalmente da aguardente, Dona Mercedes Feitosa (irmã
de Clotilde, Zé de Iaiá, Maria de Miguel, etc.), a famosa Dom, fez história em
Poço Redondo.
Não só ela
como sua janela e seu papagaio. Como a casa era comprida, da sala da frente
onde funcionava a bodega, passando por um corredor, depois mais uma sala e
enfim a cozinha, nem precisava Dom estar no seu balcão quando alguém entrava. O
papagaio logo dizia “Tem gente, tem gente”. De repente também se ouvia: “Bebeu,
bebeu”. E assim pra dizer que alguém havia tomado uma relepada. Não somente
isso, pois fofoqueiro que só. Nada acontecia por ali, mesmo após a janela, que
o louro não entregasse de pronto.
Muita
mocinha até odiava o papagaio. E tudo por causa da famosa janela de Dom. A tal
janela ficava bem do lado da sala que antecedia a cozinha. Baixa, com umbral
largo, com pouca claridade após o anoitecer, havia se tornado o local ideal
para namoros e outros chamegamentos. Não se tinha uma só noite que a janela não
estivesse ocupada. Muito casal ficava desapontado quando olhava ao longe e ela
já estava devidamente tomada.
Ora, ali,
naquela janelinha, o homem podia sentar e a mulher sentar em cima, a mulher
podia sentar e o homem nela se recostar como quisesse. Muita gente passava e
não conseguia enxergar senão “o bolo”, “o atropelo”. Uma festa. E por isso
mesmo tanta disputa por aquele verdadeiro batente. Mas o papagaio safado não
deixava barato não. As mocinhas passavam e ele de repente gritava: “Eu vi!”.
Envergonhadas, as namoradeiras corriam jurando de morte aquele safado que
parecia não ter o que fazer e até pelas brechas espiava a vida dos outros.
Mas Dom
também não gostava daquela sem-vergonhice toda na sua janela. Vivia reclamando
que não suportava mais estar dentro de casa e ouvindo tanta safadeza. Repetia e
repetia que não ia aceitar mais aquilo de jeito nenhum. Mas não tinha jeito.
Era uma bondosa, uma generosa, uma amiga de todos, ainda que tivesse fama de
valente e de punhal afiado na língua. Grande amiga de Alcino, na sua bodega
havia um caderno só para anotar os cafés, os açúcares e as farinhas, dentre
outras miudezas, que o então político mandava providenciar.
O papagaio
de Dom conhecia tanto Alcino que nem se importava mais quando ele entrava
corredor adentro e se metia pelos cantos a fazer política. Ali em Dom era
praticamente uma sala de acertos, de conchavos, de segredos. Ali muita política
foi acertada e muito dinheiro repassado. A própria Dom nunca reclamava. Pelo
contrário, vivia esvaziando seu cofre e debaixo do colchão para emprestar a
Alcino. De repente uma briga danada entre os dois. Alcino se espantava com os
valores anotados e Dom prometia fechar-lhe as portas. No instante seguinte já
tudo voltado às pazes.
“Você
gosta, não é sua véia!”, dizia o papagaio. E Dom respondia: “Vá se lascar seu
fi do cabrunco!”. E corria para fechar a janela, pois a noite já chegava e só
via a hora de os casais pularem a janela. Não demorava muito e os atropelos
começavam, os resmungados também. Fingindo-se de adormecido, o papagaio abriu
um olho e atiçava os ouvidos. “Oi, já começou”, dizia.
Mas um
dia, Dom não sentou mais na calçada do outro lado para fazer renda de bilro nem
foi jogar carteado com as amigas da vizinhança. Também não houve balcão nem
pinga servida. Entristecida, a janela se fechou para sempre. Depois a casa foi
transformada em prédio grande e somente a memória não se esqueceu daquele
endereço. Nem da voz do papagaio: “Desse jeito, coma logo!”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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