*Rangel Alves da Costa
Pretendo refletir sobre o cotidiano a partir
de cinco reais. Certamente dirão que é proposição descabida, vez que todo mundo
sabe o valor de tal nota e o que a mesma dá para adquirir. E que nos dias
atuais, aliás, não dá pra quase nada. Contudo, demonstrarei que o valor que se
dá à nota possui diversas vertentes. Para uns, apenas cinco reais, quase nada.
Para outros, de repente de valor imenso, pois através dela a possibilidade de
fazer muito - e demasiadamente tanto - com aquilo que para os outros possui
valor de quase nada. É quase a questão de se valorizar o que se tem ou
valorizar ainda mais o que tanto deseja e não possui. Mas vamos aos fatos.
Vamos
dizer que uma cerveja custe cinco reais. Com cinco reais a pessoa compra
quantos pães? Sim, a cerveja custa cinco reais e é tomada em minutos. E os pães
comprados com os cinco reais faz efeito por quanto tempo? Com cinco reais a
pessoa compra uma farinha de milho e quase uma dúzia de ovos. Com cinco reais a
pessoa compra uma farinha de milho e uma mortadela pequena. Com cinco reais a
pessoa evita que crianças chorem com fome. Com cinco reais a família serve um
café ou uma janta. E fica feliz e fica contente, ainda que seja pouco. Mas a cerveja
chama cerveja. E vai mais cinco e mais cinco. De repente, apenas numa mesa de
bar já estará sendo gasta a janta de cinco, seis famílias ou mais. Não estou
dizendo que a pessoa ao invés de beber vá dar os cincos reais para a farinha de
milho e a mortadela ou os ovos, até por que sei que muito pai gasta os cinco
reais num bar e deixa seu filho com fome. Meu cálculo foi apenas para mostrar o
valor de quatro copos de cerveja e o imenso valor de quatro pratos com um
pedacinho de cuscuz e um pedaço de ovo ou de mortadela. Apenas isso.
Certamente
vocês entenderam bem o mote da questão. Enquanto a cerveja vai sendo derramada
no banheiro mais próximo, o alimento comprado com o valor da cerveja permanece
por um tempo bem maior na barriga daquele alimentado. A cerveja é tomada aos
goles e logo o copo é novamente cheio, e assim por diante. Bebe-se a cerveja
como um tanto faz de bate-papo, como demonstração de poder ou apenas por
distração cotidiana. O preço pago nem sempre faz muita falta, considerando que
a mesma quantia daria para ser espalhada em duas ou três doses de aguardente.
Ademais, muita gente bebe exatamente para abrir o apetite, para dali a pouco se
fartar na comida. Quer dizer, além do dinheiro da conta já há outro valor que
foi gasto na comida que vai se servir. Bebe uma, bebe duas, pede mais, deixa
boa parte no banho e depois vai completar a barriga em prato cheio. Cinco reais
ou mais quase não fez diferença para o que mais certamente tem. E o outro lado,
aquela face desse mesmo valor ter outra aplicação?
Numa casa
pobre, de fogão sem panela ou panela vazia, qualquer moeda é contada e
recontada para ver se dá para comprar qualquer coisa. Contas e mais contas são
feitas para tão pouco dinheiro. Não dá para um pedaço de carne, não dá para
meio quilo de arroz ou de farinha, não dá para um macarrão, não dá para uma
sardinha, não dá para meio quilo de salsicha. Vai de canto a outro, revira
tostões, mas nada de encontrar outra moeda que some àquela tão preciosa. A
família com fome, os meninos chorosos, a tristeza sem fim. E o que fazer, então,
se todo o dinheiro juntado não dá para nada. Aquele valor não dá mesmo, não
compra sequer um pedaço de toucinho, mas cinco reais sim. Ora, cinco reais é
riqueza de momento, mas a maior das riquezas. Cinco reais é pouco, mas é tudo o
que se deseja ter para alimentar aquela família. Como dito acima, com os cinco
reais o cuscuz vai para o fogo e os ovos pra frigideira. Com os cinco reais o
cuscuz saboroso vai ser partilhado com fatias de mortadela. Com cinco reais
alimenta-se uma família. Pouco, quase nada de comida, mas o essencial para
afastar da desonra humana a indignidade da fome.
E você, já
tomou quantas cervejas hoje? Saiba, pois, que a essa hora tem muita gente que
agradeceria de joelhos se tivesse o valor que você paga por apenas uma. E
então, vai pedir outra ou vai permitir que algum prato tenha um pouco de cuscuz
com ovo?
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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