*Rangel Alves da Costa
O gato, ah esse gato! Nunca vi um bichano
igual a esse. E certamente o meu maior inimigo. Indescritível a raiva que sinto
por ele.
Muitos gatos aparecem por aqui. Quando a
noite desce de vez então. É gato no telhado, pulando a janela, por todo lugar.
Mas esse é diferente.
Diferente por que os outros correm, somem,
espantam-se quando são gritados ou ameaçados. Mas esse não. Parece esconder-se
para no instante seguinte reaparecer.
Estou sentado escrevendo e de repente já
avisto sua chegada. No instante seguinte já está olhando em minha direção,
sempre de distância segura.
Levanto, vou até ele, o bichano corre, porém
sei que não vai durar muito. No instante seguinte e já está de volta como quem
nada lhe aconteceu.
Se fosse só isso ainda ia. O problema é que
esse bichano parece tomado por outra coisa, por alguma forma humana para agir
de modo tão insuportável.
Creio que esse gato até se acha o verdadeiro
dono da casa. Quem manda é ele, quem tudo pode fazer é ele. E eu sou apenas um
serviçal de seus instintos maldosos.
Panela tem que ser na tranca, assim mesmo com
a chave bem escondida. Não adianta dizer que ele não alcança isso ou aquilo por
que não tem jeito. Ele consegue tudo.
Mesmo com todas as portas e janelas fechadas
ele aparece. Talvez desça por uma minúscula fresta do telhado ou mesmo se
transforme em folha para passar entre a madeira da porta e o chão.
E não tem jeito. Quando penso que estou livra
– ao menos por alguns instantes – então ele reaparece do nada. Acho até que não
tem medo que eu arremesse sobre ele uma montanha.
Aqui na mesa escrevendo, quando olho em
direção ao quarto, sabem o que eu avisto? O bichano todo no bem bom, todo
estirado em cima da cama e dormindo tranquilamente.
Quando ouço barulho de panela, de copo, de
porta abrindo, de coisa sendo arrastada, nem adianta ir atrás de outra coisa.
Sempre será ele e sempre ele. Não adianta.
A situação é tão difícil que até já pensei em
dar um basta nisso de vez e da maneira mais desumana possível. Ora, se ele está
me aniquilando, então por que não dizimá-lo de vez, não fazer com que suma de
vez da minha vida.
Preciso de paz, mas o gato não deixa. Preciso
de sossego, mas o gato não deixa, preciso descansar, mas o gato não deixa,
preciso de silêncio, mas ele não deixa. O bichano não me deixa viver.
Todo o lixo é embalado, embrulhado,
cuidadosamente vedado. Mas ele não adianta. Ele vai calmamente e desfaz tudo.
Pega o que quer, come o que quer, depois deixa o chão todo sujo e vai dormir em
minha cama.
Foi por causa do gato que agora só durmo de
rede. E com cuidado de não deixar estendida depois que levanto. Mas sabe o que
aconteceu outro dia?
O gato arrastou uma banquinha até perto da
rede, de um pulo alcançou os cadilhos, puxou o lado que dá para o outro armador
e, não sei como fez isso, estendeu a rede inteirinha. Depois arrastou o banco
novamente e num pulo só se deitou tranquilamente.
Outro dia pensei estar na presença de alma
penada. Ouvi a geladeira se abrindo e não dei muita atenção ao acontecido. Deve
ser imaginação, pensei. Mas quando me levanto e vou até a cozinha, sabe o que
avistei?
A geladeira aberta e a minha goiabada aberta
em cima da mesa. E bem sentado de faca à mão o gato, comendo não só goiabada
como também um pedaço enorme de queijo. Peguei o restante da goiabada e tentei
acertá-lo de cheio.
Depois disso sumiu durante uns dois dias. Mas
outro dia eu retornei da rua e encontrei a porta aberta. Estranhei demais esse
fato. Mas quando botei o pé na sala a primeira coisa que avistei foi ele
sentado no sofá, comendo salsicha com pão e com o controle remoto à mão.
E minha mala bem arrumada e colocada bem
próxima à porta. O que isso significa?
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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