*Rangel Alves da Costa
Minha
linda Bonsucesso, minha tão bela Bonsucesso. Digo e repito: não há nas terras
de Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo povoação mais rica em cultura,
que mais preserva suas raízes, que mais procura mostrar sua força tão nova e
tão antiga.
E em
Bonsucesso há, talvez, o maior enigma de todo o Poço Redondo. Ora, aquele
Casarão defronte ao rio, levantado todo fortificado e imponente no umbro do
Velho Chico, como se dali estivesse mostrando toda a pujança em meio a um
sertão nem sempre na valia da vida, outra obra não é senão o maior mistério, o
maior enigma, o maior desafio não só ao vizinho de rio como a todo o sertão e
além.
E por que
tanto mistério nesta construção datada dos idos de 1887? Simplesmente pelas
interrogações que carregam dentro de suas paredes e arredores. E assim por que
não foi apenas uma obra erguida pela mão escrava, não foi apenas uma construção
erigida segundo uma expressão de poder e de mando, não foi apenas uma forma de
dignificar e mostrar a força de um senhor perante seus vassalos e escravizados.
Foi - e
acima de tudo - a mais perfeita moldura de um período histórico onde o poder
era o poder e o homem abaixo do seu mundo era simplesmente seu serviçal. E um
mando convivendo bem ao lado do ferrado, do aferroado, do lanhado, do
ensanguentado, do subserviente a tudo.
Bem ao
lado do Casarão (como ainda mostram as velhas fotografias) a senzala, a moradia
indigna e cruel, ainda que levantada em pedra e massa. O escravo avistava bem
ao lado o senhor, fazia vizinhança com o poder e o mando, mas fazer o que?
Fazer apenas o que já havia feito antes. E que foi deixar pedaços de seus
corpos entre as paredes grossas, cimentar com seu sangue as pedras que serviam
de verdadeira muralha por detrás e arredores.
Ali, entre
as paredes do Casarão, certamente o grito negro ainda preso, o sangue negro
petrificado, a dor negra mais desumana e lancinante. Um Casarão construído como
espelho de uma vaidade em meio aos sertões, e por isso mesmo portando uma coroa
de mandacarus. E de espinhos tão pontudos e afiados que ainda hoje perfuram e
lanham a pele do tempo.
Construção
tão bela, tão grandiosa, tão majestosa, mas que nascida daqueles tidos como
vermes e imprestáveis. Certamente dizia o feitor: “Ao negro nada, nenhuma pá,
nenhuma colher, nenhum andaime, tudo ele faz como deve fazer. Ou apanha, ou é
açoitado, ou morre!”
E assim, sem
gemido que pudesse ser ouvido ou sangue escorrendo sem ser avistado, aquele
Casarão foi erguido. E lá ainda está. Imenso, porém oculto. Grande, porém sem a
real medida na história. Impenetrável ao visitante, apenas uma imensidão
avistada ao longe.
Contudo,
nada consegue esconder o que o livro do tempo escreveu: Ali um rei negro foi
transformado em pedra de muro para proteção do branco! Ou, como me lanço em
poema, o sangue como cal e pedra:
Sobre as
costas o sangue e o suor
e na pele
toda o jorrar do sacrifício
nada de
viver para dizer que vive
nada de
sonhar o sonhar humano
nada de
ser além de uma caldeira
onde
borbulham as vísceras nuas
e os
gritos roucos e moribundos
em seres
humanos açoitados na raça
e
cativados nos troncos brilhosos
refletindo
as chibatas esbranquiçadas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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