SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 12 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 12

Rangel Alves da Costa*


Padre Antonio, meio atordoado e sem querer acreditar que Dona Mundinha tivesse lhe nocauteado por causa da carta, ainda se encontrava esparramado no chão quando Mehiel correu em sua direção para prestar o devido socorro.
Dona Mundinha apenas guardou a carta bem guardada debaixo dos seus roupões e permaneceu como se não tivesse ocorrido nada. Ao invés de ao menos erguer a mão para levantar o pobre do padre, começou a cantarolar despreocupadamente: "Bendito, louvado seja, oh! Deus tu nos guiará...".
Assim que foi erguido, Padre Antonio olhou assustado para sua ofensora, deu um pulo medonho como quisesse se proteger de novo ataque, procurou juntar seus objetos de ofício na maletinha, se benzeu inúmeras vezes e disse com a voz entrecortada pelo pavor:
"Deus me livre de ficar mais aqui. Essa mulher enlouqueceu ou deve estar tomada pelo coisa ruim, só pode. Nunca vi uma coisa dessas. Doença eu sei que não é, pois nenhum doente vai ter força para fazer o que ela fez. Que Deus tenha piedade dessa criatura – E se benzendo -, mas temo que o seu destino seja mesmo queimar eternamente no mármore dos pecadores e dos infiéis. Não sei porque vive cercada de tanto santo, tanta reza, tanta bíblia e tanta conversa de religião, já que vai direitinho para o fogo dos infelizes..."
Já estava próximo à porta, mas ainda teve tempo de chamar Mehiel e dizer-lhe baixinho: "Muito obrigado e tenha cuidado com sua mãe. Ela, pelo visto, está uma pessoa perigosa demais. Depois passe lá na igreja que precisamos conversar – E falando ao ouvido – Veja se consegue ler o que diz esse maldito papel e depois me conte".
Assim que colocou o pé fora da porta, o sacerdote avistou um grupo de pessoas que vinha em direção à casa. Achou muito estranho aquela verdadeira procissão, porém mais estranho ainda foi quando passou a ouvir o que elas diziam bem alto:
"Apareça seu monstro, saia daí que vamos acabar com você", "Cadê o monstro que diz existir aqui?", "Venha, se achegue monstro safado", "Pra monstro a gente tem é cacete, é porrete, é chibata. Venha monstro safado", "Vamos lá, vamos cercar a casa e esperar esse desgraçado sair".
E a turba raivosa caminhava com pedaços de paus nas mãos, com pedras, machados e foices, com rostos enraivecidos e olhares de ódio e maldade. Ao observarem o padre saindo da casa e se aproximando, as pessoas baixaram mais o tom das vozes e as armas que carregavam, porém ainda assim se ouvia as ameaças.
Depois do ataque de Dona Mundinha e ainda encontrar aquela situação logo do lado de fora da casa, era demais para o Padre Antonio. Por instantes pensou estar variando, abobalhado ainda em consequencia do incidente anterior. Mas não, verificou que estava bonzinho da silva e tudo aquilo que via agora era realmente verdadeiro.
Aproximou-se um pouco mais das pessoas, acenou com a mão para pararem com aquela gritaria e agitação e falou em voz alta: "Mas o que é que vocês estão fazendo aqui, o que é que está acontecendo mesmo?".
Então uma das mulheres que estavam à frente do grupo se aproximou e falou: "É que dizem que aí mora um monstro e a gente quer acabar com essa história de vez. Ninguém tem mais sossego com medo desse homem, ninguém pode mais sair pra lavar roupa no riachinho com medo desse homem, ninguém não comenta outra coisa na cidade senão sobre o perigo que é esse homem. A gente não pode mais nem deixar mais os menino ir pra escola sozinho por causa desse homem que é um verdadeiro monstro. As mocinha nem se fala, que tá tudinho com medo desse bicho. Até os mais véio tá desassossegado por causa dessa coisa ruim. Entonce, já que é pra evitar o pió, então vamo dá cabo logo desse homem".
"Mas vocês estão falando de quem? Quem é esse monstro que vocês estão procurando meus filhos?", perguntou Padre Antonio.
"Só pode ser Meié, pois é o único monstro que mora nessa casa", completou a mulher.
"Mas o que foi que ele fez, vocês têm alguma prova?". Assim que o sacerdote indagou, a mulher olhou pra trás, fez jeito de quem não tinha o que responder, mas ainda assim disse:
"Mas todo mundo diz que ele é um monstro e quando o povo fala...".
"Mas as coisas não são assim não, sob pena de vocês estarem cometendo um grande pecado. Sem que se prove que ele fez alguma maldade contra alguém, ninguém tem o direito de lhe acusar de nada, muito menos fazer justiça com as próprias mãos. É melhor vocês voltarem e pensarem melhor sobre as acusações, está certo. Depois conversaremos sobre isso, está certo?".
Contudo, assim que o padre acabou de pronunciar tais palavras chegou um carro da polícia em alta velocidade e dele desceram dois agentes com armas nas mãos e correndo em direção à porta da casa.
"Vamos prender agora esse monstro...", diziam os policiais.


continua...





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: