SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 16 de outubro de 2010

MADRUGADA ADENTRO (Crônica)

MADRUGADA ADENTRO

Rangel Alves da Costa*


Não tinha problemas para dormir, nem insônia ou qualquer outro distúrbio que dificultasse ou impedisse o repouso noturno. Naquela noite, contudo, depois que o sino da igreja deu duas badaladas não teve quem ou o que o fizesse dormir mais.
Despertou do curto adormecer como se o galo já estivesse cantando, a manhã já estivesse surgindo e fosse a hora costumeira de levantar. Já era praxe deitar por volta das dez horas, começar a dormir lá pelas onze horas e acordar às seis ou pouco antes disso. Mas naquela noite, não se sabe por que cargas d'água, mas os olhos se fizeram faróis logo ao iniciar da madrugada.
Costumava temer esse tipo de coisa porque os mais velhos diziam que quando não se consegue dormir, fica virando de um lado pra outro da cama, é porque notícia ruim está para chegar. E infelizmente é noite adentro que se teme ainda mais que o telefone comece a tocar, alguém bata à porta ou pesadelos venham para anunciar o pior.
De súbito, e os olhos estavam abertos para o dia, para sair, para trabalhar, para viver a vida e sua rotina. Tudo normal se não fosse àquela hora, se não fosse às duas da manhã. Levantou estranhou tudo, tomou um copo de água gelada, olhou a noite pela vidraça da janela e retornou ao leito macio.
Que leito macio que nada, que sono voltar que nada, que nada de adormecer novamente! Lembrou da noite bonita lá fora, lembrou que na noite geralmente tem uma lua, estrelas, mistérios por todos os lados, tudo que chama à reflexão. Mas tudo isso seria bom de se ver e pensar mais cedo, antes de ir deitar e da oração, vez que na noite é sempre bom chamar recordações e saudades, de modo que as lembranças não anuviem de vez, mesmo que tudo traga uma pontinha de dor e tristeza.
Abriu a porta, saiu e foi andar pelo solitário e escurecido jardim, caminhando pensativo de um lado pra outro. A madrugada estava fria, com uma leve ventania que fazia balançar a folhagem e produzia um som de pequenas coisas sendo jogadas ou se quebrando aos poucos. Era a natureza dando os seus passos e o ser humano na sua inquietude de não saber direito sobre o que melhor refletir naquele momento.
Sentou no banquinho confortável do jardim e se pôs a mirar a lua como se buscasse respostas. E veio-lhe à mente precisamente aquilo que há muito evitava pensar: o tempo que passava correndo, a solidão que lhe acompanhava e o ser humano sem saber o que fazer para fugir daquilo tudo.
Sempre deixava para amanhã para pensar em si mesmo, para avaliar sua condição de pessoa, para tentar saber como andava sua felicidade, seus planos, projetos. Sempre evitava pensar na solidão que passou a fazer companhia assim que alguém saiu pela porta da frente e nunca mais voltou. Sempre deixava para depois dizer a si mesmo que daria um basta naquilo tudo, que viveria novamente, que amaria de novo.
Pensou nos erros cometidos e nos acertos que não foram compreendidos; nas tantas vezes que não agiu de outro modo somente para não confrontar a pessoa que estava ao seu lado; nas muitas vezes que sabia que estava errando e ainda assim persistiu no erro achando que desse modo iludiria o amor. E depois de experimentar o santo sacrifício e ter como resposta a solidão, ainda assim acreditou que poderia ser feliz ao lado de quem o submeteu e subjugou.
E somente agora, madrugada adentro, tinha coragem de pensar nessas coisas e delimitar os tantos erros cometidos. Nada aconteceu em vão, pensou. Diante de certas coisas é preciso que a realidade tome o lugar do sono e traga as lições da lua e do silêncio.
E com a certeza do que fazer dali em diante, poderia ter todas as noites do mundo para dormir tranquilamente, sem a necessidade de a madrugada ter que chamar e dizer que vá por ali.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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