A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 4
Rangel Alves da Costa*
Diante da pergunta do padre, pessoa que não iria mandar chamar ninguém à sacristia de sua igreja para fazer uma pergunta vã, Mehiel constatou mais uma vez o quanto já estava indo longe demais aquela conversa sobre monstro.
Nas estradas, ao lhe avistarem, pessoas se escondem e falam sobre o monstro; nas ruas, no comércio, pelas casas, a mesma coisa. Era monstro pra cá e monstro pra lá e agora até o padre mandava lhe chamar para falar do assunto. Depois de um instante de absoluta surpresa, Mehiel respondeu ao sacerdote:
"Se a ignorância é um monstro, como costumam dizer, então sou verdadeiramente um monstro por ignorar isso tudo. Só quem sabe responder é quem inventou ou inventa essa conversa toda, padre. Até onde eu me conheça, não viro monstro com a mudança da lua, não tenho o corpo peludo, as garras ou as ações de um monstro, nem ando saindo por aí à noitinha para assustar ou comer pessoas. Como se vê, pelo jeito me tornei um monstro sem saber. Até eu gostaria de saber essa história toda, como começou e o que pretendem com isso, pois isso não pode e nem vai ficar assim não. Pode ter certeza que vou tomar providências com relação a essa bendita história...".
Andando de um lado para o outro, experimentando um pouco de vinho num cálice, o Padre Antonio interrompeu:
"Nada de precipitações meu filho, é preciso ter calma, muita calma. Muitas vezes as pessoas inventam as coisas pra sair dessa rotina desinteressante de cidade pequena. Mas as mentiras, as aleivosias e as deturpações não têm vida longa, pois logo aparecem na boca e na face de quem as criam, e por isso é que o tempo é seu amigo. O tempo dirá quem inventou essa história. Mas para apressar o tempo, me responda só mais umas coisinhas...". E o padre experimentou mais um pouquinho do vinho.
"Me diga, Mehiel, você praticou qualquer ato desabonador que leve alguém a pensar coisas absurdas de você? Você já teve algum problema de perda do juízo ou coisa parecida? Você tem muitos inimigos? Só isso. Se puder responda..." Terminou de indagar o velho sacerdote. E Mehiel não demorou nem um segundo para começar a responder.
"Com todo respeito, Padre, mas acho que isso tudo um absurdo. Se não se incomodar, acho melhor nem responder para não dizer besteiras. Quem me conhece sou eu e minha mãe...". E o padre interrompeu nesse ponto para falar, como se estivesse muito interessado nas últimas palavras:
"E já que falou em sua mãe, como é que ela está? Brevemente irei fazer uma visitinha a ela. Ainda continua querendo entrar no céu a pulso, com aquelas preces e orações todas, aqueles santos e aquelas bíblias? Devia continuar assim somente com as coisas do céu e não fazer o que eu soube que ela anda fazendo...". E foi a vez de Mehiel quase desabar:
"Mas o que ela anda fazendo, que vive entrevada naquela cadeira de rodas dia e noite e não sai pra lugar nenhum desse mundo? Se o senhor andou sabendo alguma coisa sobre ela pode ficar ciente que é tudo mentira, é miolo de pote, é conversinha de quem não tem o que fazer mesmo. Padre, minha mãe mal pode levantar para ir no banheiro ou ir ao quarto dormir. E tudo que faz sou eu ajudando...". Mehiel parecia um pouco agitado com essa conversa com relação à sua mãe. E ficou ainda mais quando o sacerdote continuou:
"Conheço sua mãe e sempre a encontrei naquele estado. Contudo, meu rapaz, fontes fidedignas, e estas eu tenho certeza que não mentiriam jamais, vieram me relatar que sua mãe não é essa doente toda não, não está com esse entrevamento todo não, pois quando você sai ela se levanta, veste uma roupa normal e sai por aí espalhando conversa pra um e outro, geralmente pelos quintais e fundos das casas, quando chama as moradoras e desanda a falar, a fofocar. Agora sobre o que ela fala nem pergunte que eu não sei dizer..."
"Mas não pode ser padre. Minha mãe é uma doente, do corpo e parece que também de tudo. Não pode ser...". Falava o rapaz, corado, nervoso, caminhando de um lado para o outro.
"Pode ser sim. Faça um teste. Diga que vai sair e se esconda, que é pra ver se é mentira ou não essa conversa. E diga a ela que da próxima vez que eu for lá vou levar um médico e uma cuia de água benta, que é para o caso de precisar expulsar alguma coisa ruim dela".
Mehiel se despediu e saiu atordoado. Nem viu quando Teodora lhe acenou ao lado da igreja. Pegou o rumo de casa com mil pensamentos na cabeça. Ainda mais essa, pensou. Primeiro esse negócio de monstro e agora essa...
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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