NAQUELE BANCO DA PRAÇA
Rangel Alves da Costa*
Ele gostava do outono; se encantava com os tons ocres, amarelados, marrons e acinzentados das folhas; achava belo e triste o vento soprar e levar pelos ares aqueles pedacinhos da natureza agora tão frágeis; se admirava com o chão todo enfeitado de folhas mortas e com o barulhinho que faziam com a ventania que sempre vinha ao entardecer.
Ele mesmo uma folha outonal, já frágil demais, mas sem deixar de estar ali no banco da praça no final da tarde, olhando a vida, sentindo a natureza, imaginando talvez se teria forças para chegar à próxima estação.
Morava na mesma praça há mais de meio século. Foi de um tempo de carrosséis; de meninos passando com tabuleiros de balas e pirulitos pendurados aos ombros por trançados; de garotinhos vestidos de marinheiros brincando na praça e com maçãs do amor vermelhando o rosto inteiro; de vendedores de pipocas e algodões doces; de bandinhas no coreto e casais elegantes suspirando de amor.
Foi de um tempo onde começou a desaparecer as alegrias nas praças e nos parques; quando começaram a derrubar centenárias palmeiras, pau-brasil, cerejeiras e flamboyans, e colocar no lugar mudas que não duravam mais do que poucos anos; quando mandaram tirar os bancos de madeira de lei da praça e colocar no lugar um cimento que logo rachava com o sol; quando destruíram o grande viveiro de aves silvestres e o lago de água cristalina para construir no lugar bares e outras inutilidades.
Foi de um tempo de ontem. Um ontem já muito distante aos olhos e à lembrança, quando não mais avistou os homens com os seus chapéus panamás e ternos de linho branco, as mulheres correndo para experimentar a última moda francesa, o bondinho passando, o guri gritando a última manchete do jornal: Extra, extra, Jânio Quadros renunciou!
Foi de muitos tempos. E os tempos de agora só mereciam ser vividos para recordar os tempos bons de outrora. Assim pensava e assim vivia. Por isso mesmo fazia do seu banco de praça ao entardecer seu compadre e interlocutor, seu confessionário e confidente, seu único e verdadeiro amigo.
Seu par e irmão ao menos para as conversas que gostava de conversar, pois não dialogava verbalmente com ninguém ali no banco da praça, somente consigo mesmo e com as palavras que sabia verdadeiras e que ninguém poderia supor mentirosas. Somente eu sei o que tenho a dizer e a ouvir, dizia consigo mesmo.
Se alguém chegava perto dele e começava a conversar e a perguntar isso ou aquilo, e mesmo que insistisse, não adiantava, pois ele não ia além do "boa tarde" e do "até". Eis as únicas palavras que alguém conseguiria tirar da boca dele ali no banco da praça. Quem já conhecia esse jeito ensimesmado nem ia lá atrapalhar sua tarde.
Os filhos mandavam os netos ficarem brincando ao redor pra ver se ele puxava assunto, mas nada, não tinha jeito. De vez em quando sorria vendo as estripulias da meninada, noutros instantes entristecia, deixando cair pelo rosto uma lágrima já cansada de tanto escorrer por dentro. Só isso, pois sua boca não se abria para dizer quase nada. No entanto falava e falava:
"Vejo o tempo mudando. O outono já está indo embora. Tudo já morreu e tudo vai renascer novamente. Se a gente fosse igual às estações, não se importava em ter que morrer sempre, pois tinha a certeza que mais tarde retornaria e renasceria com mais vida e mais beleza. Mas o que somos senão essa folha que cai e adormece eternamente. Amanhã já não estarei aqui, tenho certeza, pois vejo que a ventania vem vindo adiante para levar pra longe o que restou dessa vida/estação. E me sinto folha, e me sinto folha...".
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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