SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 14 de outubro de 2010

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 15 (Conto)

A CASA E A VIDA DO MONSTRO – 15

Rangel Alves da Costa*


Para desespero do Padre Antonio, o delegado chamou policiais e mandou que encarcerassem imediatamente Mehiel. Diante da carta, das suspeitas e da confissão, não havia alternativa senão deixá-lo atrás das grades até que o inquérito fosse concluído e o caso enviado para a justiça. Foi o que afirmou a autoridade policial.
Parecendo que nada daquilo estava acontecendo, demonstrando muita tranquilidade e até descontração, a única coisa que Mehiel lembrou de pedir ao sacerdote foi que providenciasse para que alguns potes, tigelas, vasilhames, moringas e outros objetos de barro não esturricassem dentro do forno da sua pequena olaria.
Contudo, o padre não queria saber nem de pote nem de moringa, pois estava nervoso e aflito, procurando contornar aquela situação de um outro jeito totalmente diferente. Seria um absurdo deixar que o rapaz ficasse detido por causa de uma carta anônima contando fatos que não podiam ser provados. Teria que arranjar um jeito de demover o delegado daquela precipitada decisão.
Enquanto o atormentado e angustiado representante de Deus pensava, orava, olhava para cima, caminhava de um lado para o outro, o rapaz foi levado dali pelos dois policiais que já haviam tentado prendê-lo na sua casa. De repente se fez uma luz na mente do homem da igreja e este chegou a assustar o homem da ordem quando disse bem alto: "O templo pagão vai cair. A carta, a carta, as duas cartas. É isto, as duas cartas!!!...".
Pediu para que o delegado sentasse porque agora lembrava fatos importantes sobre o caso e que, se fosse comprovado o que estava pensando, imediatamente o rapaz seria inocentado daquelas acusações absurdas e ficaria livre daquela injusta prisão.
Então contou sobre a existência de uma outra carta que estava na posse de Dona Mundinha e que certamente teria relação com esta outra carta que havia chegado às mãos do delegado; falou que poderiam confrontar os dois tipos de letras existentes nelas para ver se havia sido a mesma pessoa que escreveu as duas; disse que precisavam conhecer o conteúdo da outra para saber se tinha algo a ver com o que estava escrito nesta; assegurou ser necessário o delegado verificar qual o estado de saúde de Dona Mundinha diante das acusações de maus tratos do filho, bem como, e acima de tudo, ouvi-la detalhadamente sobre essa história toda. Deixou bem claro que alguma coisa muito estranha existia também na outra carta, vez que a velha tudo fazia para que ninguém a lesse.
Asseverou ainda que o delegado não podia deixar um indivíduo preso sem sair a campo para descobrir a verdade sobre as acusações: Por que não ouvir algumas daquelas pessoas que tentaram linchar Mehiel na sua própria casa? Como essa história toda de monstro foi espalhada e chegou ao conhecimento de cada um? Como aquela carta teria chegado na delegacia e quem poderia tê-la feito chegar até ali? Tudo isso precisava ser respondido urgentemente, concluiu o Padre Antonio.
O delegado ponderou um pouco, porém não deixou de reconhecer a razão no sacerdote. No seu íntimo, por mais que pretendesse deixar as coisas como estavam, carregando o inquérito apenas com presunções e as acusações contidas na carta, sabia que aquela situação era diferente, pois não estava tratando com um qualquer, com um desconhecedor da lei e da justiça, mas sim com uma autoridade religiosa de respeito.
Se agisse com negligência, arrogância e querendo criar provas somente para incriminar, tinha certeza que mais tarde seu nome seria desmoralizado, desonrado, passaria a ser visto aos olhos de toda a imprensa do país como "o delegado criador de monstro" ou "o delegado da cartinha". E não somente isso, pois todas as comissões de direitos humanos do mundo iriam lhe execrar e, o que era pior, acabariam os seus sonhos de ser promovido para uma delegacia na capital. Se afrontasse aquele padre, tinha certeza que tudo isso iria acontecer. Então, por via das dúvidas...
Assim, depois ter sido forçadamente convencido pelo Padre Antonio, o delegado soltou um grito e Mehiel foi trazido novamente para o gabinete. Disse ao velho representante de Deus que ele podia ficar despreocupado que dali em diante não deixaria nem uma sombra que não fosse investigada em profundidade. Afirmou que iria juntamente com o rapaz fazer diligência na casa e que, por isso mesmo, ele retornasse sossegado para a igreja que mais tarde e no decorrer das investigações informaria sobre tudo.
Ora que nada, o velho sacerdote disse que tudo seria feito na presença dele, pois somente ele sabia como obter certas provas que seriam conclusivas para o desvendamento completo do caso. O delegado insistiu, falou dos perigos, da desnecessidade de sua presença, da idade avançada, etc., mas não teve jeito. E a viatura policial deixou a delegacia com um agente motorista, o delegado, o ex-preso e o sacerdote. Seguiram em direção ao terreno de Dona Mundinha.
Assim que o carro parou na malhada da casa e todos desceram, a primeira coisa estranha que Mehiel notou foi a janela da frente fechada. Sua mãe vivia sentada ali e nunca fechava aquela janela durante o dia, pois dizia que era o seu único contato com a vida. A porta também estava fechada. Ele chamou, gritou três, quatro vezes pela mãe, e pensando em ter acontecido o pior, deu uma pesada na madeira que derrubou abaixo.
Entraram apressadamente, mas só encontraram a cadeira de balanço vazia. Incrível é que ela ainda estava balançando. Foi quando o policial gritou apontando para a porta dos fundos: "Vai um vulto de preto ali, correndo desembestado pro meio do mato".
"Mas não pode ser!...". E o Padre Antonio desabou no chão.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Nenhum comentário: