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domingo, 31 de outubro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 12 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 12

Rangel Alves da Costa*


Para total espanto dos presentes, sem ao menos ter chance de dizer uma palavra sequer para se defender, para dizer que não era ladrão coisa nenhuma, que nunca havia roubado e que estava apenas correndo, foi seguro pela gola da camisa e arrastado como se fosse um saco vazio.
Foi arrastado aos trancos, de forma humilhante e desumana, pelo meio da rua e conduzido diretamente para um posto policial no mesmo quarteirão. Por onde o policial passava com o seu pequeno e pretenso marginal, a população indignada dizia, e em tom alto, para que o algoz pudesse ouvir:
"Mas isso não se faz, é apenas uma criança. Isto é uma judiação. Onde estão os direitos humanos?".
"Solte esse menino pelo amor de Deus. Você viu ele roubando, qual a prova que tem contra ele? Ademais, é só uma criança, não está vendo não!"
"Por que fazer isso com o menino, se vocês não têm coragem de enfrentar os verdadeiros marginais. Pegar uma criança nessa idade e sair arrastando feito bicho é fácil, mas queria ver se fosse um bandido de verdade e do seu tamanho!".
"Você não tem filho não? Seu brutamontes sem coração!"
Ouviu-se apenas o policial dizer, expressando um leve sorriso de satisfação: "A lei é para todos. E depois vocês ficam reclamando que damos mole pra marginal".
Assim que entraram no posto policial, uma pequena multidão começou a se formar do lado de fora, tendo que abrir passagem apenas para uma madame cheia de joias, toda no salto alto, roupas brilhosas e cabelos pintados, que chegou alvoroçada por ali, acompanhada de uma filhinha, e dizendo:
"Já pegaram o marginalzinho, onde ele está, encontraram minha bolsa com ele? Quero de volta a minha Givenchy. Saiam daí, saiam da minha frente. Gente feia, fedendo a suor. Odeio pobreza. Deixem-nos passar que quero fazer o reconhecimento do marginalzinho...".
"Ih!, pelo jeito a madame tá com pressa. Deixe ela passar que é pra ver se ela fica presa no lugar do menino. Quando vê esse povo assim, metido a besta, ricaço, é tudo ladrão. E rouba o dinheiro da gente, o que é pior!". Falou alto um rapaz indignado com as palavras mal-educadas da mulher, realmente arrogante demais para ter nascido gente.
Dentro do posto, ainda sem saber sobre qual a acusação que estava sendo lhe imputada, sem ser chamado para ser ouvido e sem poder dizer nada, Zezinho parecia um bicho assustado jogado num canto. Não chorava, não tinha medo, mas estava assustado pelo modo estranho e arrogante como havia sido tratado.
Vermelho de raiva, com os cabelos totalmente assanhados e o corpo um pouco dolorido ainda pela outra violência que havia sofrido e que tinha motivado a sua hospitalização, o menino estava só esperando o momento de ouvir alguma coisa para depois falar. Na sua mente de criança inocente, tudo aquilo estava relacionado com sua fuga do hospital. Nem imaginava que estava ali como ladrão de bolsa de madame.
Assim que a mulher entrou nem olhou para os lados e foi diretamente onde estavam o condutor e mais dois policiais, falando como se estivesse na sua cozinha: "Fizeram o trabalho de vocês. Recuperaram minha bolsa caríssima com os meus documentos, cartões de crédito, joias e dinheiro dentro?", perguntou.
Foi então que o chefe do posto intercedeu e falou: "Não sabemos bem que anel carrega no dedo a senhora, mas exigimos calma e paciência. Fizemos o nosso trabalho e flagranteamos o delinquente juvenil, um desses meninos de rua que andam roubando por aí, mas primeiro a senhora tem de reconhecer o flagranteado para depois tratarmos de seus pertences. Esta bem? Agora olhe para aquele canto ali e veja se foi aquele menino que assaltou a senhora e roubou sua bolsa". E o policial apontou pra Zezinho.
E a filhinha da madame, que pelo jeito e gestos parecia ter nascido de outra barriga, disse apressada: "Mamãe, não foi esse menino não. E por que ele está preso?".
E a madame quase cai de costas quando olhou para o menino naquela situação e, mirando nos olhos de Zezinho, enxergou alguma coisa que somente ela poderia explicar. Nervosa, agitada, quem sabe até envergonhada, sem tirar os olhos do olhar do menino, disse aos policiais:
"Foi este o menino que vocês prenderam? Se foi este prenderam o ladrão errado, e aliás este não tem nem cara de ladrão. E por que prenderam este menino no lugar do verdadeiro ladrão?".
E ouviu-se então uma resposta sem pé nem cabeça por parte de um dos policiais: "Madame, é procedimento policial ver todo menino de rua como perigoso, como usuário de drogas, como ladrão em potencial. São pequenos marginaizinhos que andam por aí aprendendo a furtar e a roubar e a praticar todos os tipos de crimes. Mais tarde, se não forem mortos antes, vão para as estatísticas das penitenciárias. A senhora entendeu o que queremos dizer? Se não foi este aí que lhe roubou, mas roubará outra pessoa qualquer. É ladrão de todo jeito...".
"Solte ele que ele não é ladrão não!". Disse a filhinha da madame, quase na mesma idade de Zezinho, com voz firme e certeza no coração.


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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