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sábado, 30 de outubro de 2010

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 11 (Conto)

ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 11

Rangel Alves da Costa*


Completamente comovido com a situação, o senhor parecia sem reação para falar, para dizer alguma coisa que confortasse o menino. Ora, mas quem sou eu que pensava que já havia visto de tudo nessa vida, confessou intimamente. Aos poucos conseguiu dizer: "E o que pensa em fazer agora, meu triste menino?".
Para o que Zezinho respondeu:
"Gostaria também de saber. Na verdade, só pode retornar quem tem lugar pra retornar; só pode voltar pra casa quem tem casa de portas abertas esperando, quem tem família esperando. Eu lhe garanto que não tenho mais nada disso. Mataram meu pai, isso eu vi, pois ainda toquei o dedo no sangue dele; dizem que minha morreu, mas eu não pude fechar os olhos dela. Não posso viajar sozinho porque não tenho passagem, não tenho nenhum dinheiro e não sei pra onde ir; não posso ficar porque esse povo não me conhece, não gosta de ninguém, é um povo que faz mais medo do que bicho, tem ladrão em todo lugar, e também porque não sou daqui e nem quero ficar aqui. Deus me livre de dormir debaixo da lua toda noite e beber água e tomar banho na mangueira do jardim. E comer, eu vou comer o que, se não tenho tostão nem pra comprar um pão? Ontem mesmo comi... – E lembrou do hospital e evitou falar sobre isso – Ontem mesmo comi frango assado com arroz porque me deram, e tava bom demais. Se encontrar hoje um pedaço de pão, com a fome que eu tô, vai ser mais saboroso ainda...".
"Calma, calma, descanse um pouquinho estas palavras tão verdadeiramente cruéis e vamos pensar um pouco, vamos tentar buscar uma solução para tudo isso. Mas antes disso espere um pouquinho aqui que já volto, vou apenas ali em frente e já volto. Não saia não...". E o senhor levantou e se dirigiu até uma lanchonete na proximidade.
Ao retornar, caminhando com uma bolsa na mão contendo refrigerante, bolos e salgados, avistou Zezinho de cabeça baixa e olhos fixos na fotografia do jornal. Limpava os olhos com a mão e dizia algumas coisas que somente ele podia ouvir. Mais tarde tais palavras seriam o norte de sua vida.
E foi uma festa momentânea para o menino. Comeu de se fartar e guardou um resto do lanche para mais tarde. Quando percebeu que o menino estava saciado, menos triste e mais disposto, o senhor começou a falar novamente:
"Moro num bairro aqui próximo e unicamente com minha esposa. Meus filhos já estão todos casados e tenho netos que são uma maravilhosa. Tem assim na sua idade, maior e menor. Mas todos moram com os pais e só recebo a visita deles quando cismam de aparecer. A cada dia que passa demoram mais a aparecer, e acho isso muito ruim porque ficamos com muita saudade. Mas isso é com os pais, e eles devem saber o quanto somos sozinhos e gostamos de estar ao lado, brincando e sorrindo com os nossos netinhos. Parece que nós quando envelhecemos criamos mais sentimentos do que os mais jovens...".
E o senhor parou um pouco de falar porque lhe veio à mente que não estava conversando com adulto ou gente de sua idade, mas com um garoto que não tinha nada a ver com aquilo e que, aliás, já tinha problemas demais. Modificou o contexto do assunto e procurou ir logo ao ponto onde queria realmente chegar:
"Você bem que poderia passar um tempo com a gente até que tudo fosse se resolvendo. Vou falar com minha esposa e amanhã nos encontraremos aqui nesse mesmo horário, está certo?".
Mas Zezinho nem ouvia o que ele dizia, pois estava desconfiado com uma ambulância que parecia estar fazendo ronda pelos arredores, pois já era a segunda vez que ela aparecia e sumia. E se o pessoal do hospital já tivesse descoberto a sua fuga e por isso mesmo aquela ambulância estava à sua procura? Perguntava-se preocupado.
Fazia tudo para esconder o rosto no jornal, porém o medo era maior. Pediu licença ao senhor para ir ao banheiro, dizendo que voltaria num instante para acertarem tudo, mas assim que se distanciou um pouco, olhou onde era a esquina mais próxima, caminhou até lá e depois começou a correr feito um desesperado.
Ainda correndo com toda a velocidade que podia, vez que ainda não estava totalmente recuperado, dois trechos adiante esbarrou bem aos pés de um policial fardado:
"Vem correndo assim porque roubou, não é seu ladrãozinho?".


continua...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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