ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 4
Rangel Alves da Costa*
Zezinho acordou ainda de madrugada, com os primeiros movimentos da cidade grande que se prepara para o amanhecer.
Limpou os olhos esverdeados com a mão, procurou avistar o que estava ao redor e o que viu foi tudo muito estranho, tudo diferente, grande demais e feio. E feio principalmente porque no lugar dos descampados e pés de pau só enxergava casas e prédios, se é que sabia o que era aqueles monstros que iam formando ruas.
Ajeitou-se novamente para ver se dormia mais um pouquinho e pensou estar ouvindo gado berrando, cachorro latindo e galos e passarinhos cantando. Já era quase hora de correr para o curral tomar leite quentinho do peito da vaca. Às vezes sua mãe colocava um pouco de farinha dentro da caneca e quando o leite caía quentinho ia tudo sendo misturado e ficava gostoso demais.
Ficou imaginando ouvir sons do sertão, vendo os animais e as plantas que ele tanto conhecia, avistando o tanquinho de água barrenta onde ia tomar banho escondido, pensando estar atirando em rolinha com sua peteca que lhe foi presenteado pelo filho de um fazendeiro, subindo no pé do umbuzeiro para chupar a fruta madurinha. E caminhou, voou, correu, pulou, brincou demais, mas tudo na imaginação.
E de tanto pensar no seu sertão e nas maravilhas que havia ali acabou adormecendo novamente. Adormeceu e começou a sonhar.
"E estava tudo em paz no sertão, com o céu azulado e o vento soprando levemente nas folhas das plantas. Mas de repente tudo foi mudando, ficando escurecido e uma ventania começou a varrer tudo. E veio um carcará, desses bichos voadores danados que furam os olhos, beliscam o corpo todo e depois comem os animais novinhos, e começou a voar pelos ninhos, acabar com a vida dos pequenos filhotes e depois se assanhar todo com o bico sujo de sangue. E quando acabou com os pequenos passarinhos existentes, começou a dar voos rasantes sobre as redondezas, todo raivoso, com o bico maior ainda e batendo furiosamente as asas. E foi quando o carcará lhe enxergou embaixo do pé de umbuzeiro e partiu feito raio em sua direção. E então ele correu e corria muito, mas quanto mais ele corria mais o bicho avançava em fúria, sedento de fazer outra vítima. E foi alcançado, levantado pelo bico do bicho e levado para cima, para os ares, e depois, não se sabe o porquê, foi arremessado lá de cima e foi caindo, caindo, caindo até que...".
Até que Zezinho acordou assustado desse sonho ruim e se ergueu quase num pulo. Olhou novamente para um lado e para o outro e resolveu que era melhor tomar rapidamente outro banho para despertar de vez e depois seguir novamente em busca de sua mãe. Pelo dia seria muito mais fácil, imaginou.
Quando o dia amanheceu completamente, os estranhos que passavam podiam avistá-lo sentadinho no banco da praça olhando o mundo ao redor e pensando no que fazer, em qual direção deveria seguir e como faria para comer alguma coisa.
Verde é que estava com fome e muita fome, pois naquela hora certamente já havia tomado seu leite com farinha, comido alguma bolacha ou quem sabe um pedaço de cuscuz. Certa feita, num dia que sua mãe fez um bolo de milho muito bonito e gostoso, lhe foi oferecido uma fatia bem grande logo de manhãzinha.
Viu pessoas passarem com pães e leite e resolveu olhar de onde elas vinham com aquelas maravilhas. Tomar um pouco de leite e comer um pedaço de pão seria a coisa que mais precisava naquele momento. O problema é que não tinha dinheiro, não tinha nenhum tostão, e não era de pegar nada escondido de ninguém nem de andar pedindo.
Mas pediu. A fome era tanta que pediu um pedaço de pão a três pessoas que passaram, mas só ouviu delas coisas do tipo "vá pedir em outra freguesia", 'vá pra casa comer", "isso não é hora de menino andar pedindo não".
Que povo bruto e ruim, pensou. Só um pedacinho de pão e ninguém quer dar. E pelas palavras que ouviu foi concluindo que se estivesse em casa nem precisava estar pedindo nada a ninguém. Só pedia porque não estava em casa, suma mãe não estava por perto e realmente estava com fome. Com muita fome.
Foi caminhando até encontrar a padaria. O cheiro de pão no forno subia no ar e se tornava impossível de não acertar. Chegou na porta e olhou lá pra dentro. Mas fazer o que agora, Zezinho?
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário