ZEZINHO NO MUNDO E O MUNDO DE ZEZINHO – 1
Rangel Alves da Costa*
Viúva, sem ter o braço forte daquele que sustentava a família, Rosinha não via mais nenhum motivo para continuar sofrendo no sertão.
Era sertaneja sim, mas não daquele lugar, e sim de outra região bem distante. Tinha chegado ali porque o marido, depois de arrumar umas intrigas de sangue, teve que sair correndo pra outras bandas.
Fixaram residência naquele inóspito lugar, de secura de não se acabar mais, há cerca de sete anos. Morando de arranjo nas terras dos outros, embaixo de teto emprestado, enquanto o marido dava um duro danado fazendo de tudo com bicho e com terra, ela fazia doce de cabeça de frade pra vender na cidade.
Mas o dinheiro era muito pouco, não dava pra quase nada. O que ganhavam se consumia na farinha, no feijão, no quilo de arroz, no pedaço de carne de terceira ou quarta, com mais osso e pelanca do que tudo no mundo. Era a vida do quilo, do pedaço, do pouquinho...
O problema aumentava ainda mais porque apareceu Zezinho, parido aproximadamente um ano depois que os dois passaram a morar ali. Menino pequeno e sem luxo nenhum, sem mingau do bom nem coisa de mercadinho, ainda assim dava um gasto danado, principalmente porque qualquer moeda causava um gasto danado demais.
E tome papa d'água Zezinho, e tome mais papa d'água Zezinho. Só se sabe que foi assim que o menino foi se criando, até que aprendeu a diversificar sua comida e não saía da beirada da parede do casebre, cavando pra tirar barro. Comia barro como se fosse a maior delícia do mundo, chega lambia os beiços. E o buchinho sempre cheinho, atarrachadinho de lombrigas e verminoses.
Agora estava com seis anos, todo danado e espevitado, bonitinho que só, na morenice sertaneja curtida de sol. Na verdade, era meio embranquecido, de um claro puxando à morenice, de cabelos negros e lisos, rosto triste e olhos esverdeados. Parecia um calango se metendo em tudo, querendo subir por todo lugar, insatisfeito se a mãe mandasse que ficasse um minuto quieto num canto.
Quando estava com cinco anos, como não entendia nada dessas coisas de morte, dor e choro, apenas sentiu que algo muito diferente havia acontecido. Viu sua mãe chorar durante três dias inteiros e quase morrer de tristeza durante um tempão. Verdade é que nunca mais viu seu pai, que diziam ter sido morto numa tocaia.
Verdade é que os antigos desafetos do pai do menino não esqueceram o que ele havia feito no passado, descobriram onde o mesmo estava morando e foram esperá-lo por trás de uma moita na curva de uma estradinha. As armas cuspiram fogo e o homem caiu morto ali mesmo. Uns amigos se encarregaram do enterro e acabou-se a história do homem.
Um ano depois do ocorrido e a mulher não suportava continuar mais ali. Mulher viúva e com filho pequeno não consegue sobreviver com dignidade em terra estranha, onde não tem emprego nem família para ajudar. A seca que veio mais forte do que nunca espantava gente e quem dirá bicho.
Vou-me embora, vou-me embora, dizia ela enquanto limpava uma lágrima no canto do olho. Com medo, não pensava de jeito nenhum em voltar pra terra natal. Quem sabe se não pretendiam fazer com ela e seu filho o mesmo que fizeram com o marido? Perguntava-se, e com razão.
Rabiscou uma carta e mandou pra irmã que morava no sul. Pedia por tudo na vida que aceitasse recebê-la juntamente com o seu filho ao menos por uns tempos, enquanto dava um jeito na vida. E não durou muito chegou a resposta: "Pode vim, minha irmã, onde come um come dois".
Não tinha o que vender, não tinha que apurar nada, apenas arrumou a mala e foi pra cidade pegar o ônibus. Dinheiro contado, mas tinha que dar até chegar lá.
Zezinho implorou, chorou, esperneou pra levar o carro-pipa feito de lata de óleo e as duas pontas de vaca que dizia que era seu gado, mas não teve jeito.
Não tinham a quem dar adeus, não tinham em quem deixar saudade. Subiram no ônibus em direção à capital. De lá seguiriam viagem, se assim Deus permitisse, como disse Rosinha a si mesma.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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