A CASA E A VIDA DO MONSTRO - 14
Rangel Alves da Costa*
"Me desculpe, senhor delegado, mas pode nos dizer o que diz essa carta assim tão grave, a ponto de incriminar de tal monta este rapaz?", indagou Padre Antonio. De pronto, a autoridade policial respondeu:
"Por favor, se não for desrespeito à vossa autoridade sacerdotal pedir isto, mas tenha a gentileza de ler, com os próprios olhos e alto o suficiente para que entendamos o que está escrito aí. Por favor, Padre Antonio...". E entregou-lhe o papel, que foi prontamente desdobrado para ser lido. E este era o conteúdo:
"Meus povo.
Num poso dizê quem eu sou mai aquerdite qui tudo qui vou dizê é vedade.
Vosmiceis cunhece ese rapaiz, um tal de Meieu, qui é aquele mermo fio da viúva e aduentada de nome Osmunda, mai qui todo mundo cunhece cuma dona mundinha. Aquela merma qui é temente a Deus mai do qui tudo e qui leva a vida sumente a orá pa qui tenha saude e pa o seu fi te tudo de bom na vida.
A mae dese rapaiz tarvez num sabe nao mai se subese inté tinha medo do porpio fio pruque ele é um vedadeiro monstro. Paresi qui as oraçao dela deu po contraro poi o tal de Meieu faiz coisa qui inté Deus a de duvidá.
Sube cum certesa qui ao inveiz de cuidá da pobe mae qui é doetinha, ele bate todo dia nela, isconi os remedio, dexa ela cum sede e tem veiz qui ate chega a amarrá a coitadinha. Pa ela num gritá pedino socoro ele bota pano na boca dela e amarrá os peiz dela dentro duma vazia cum agua quenti.
Tamem sube que ele vivi xingano os santo dela, já qrebou um bucado e diz qui ela tem qui se apegá mermo é cum o coiza ruim, pruqe vai morre e num vai te sarvaçao. Dona mundinha só pode vive ali sentada pruqe ele disse qui si ela se alevantá vai tocá fogo na cadera e isbagaçá cum todo os santo.
Mai num é só isso nao. Ele ragou toda ropa qui ela tinha e dexô so duas ropa preta qui é pra ela visti e pa adespoi dizê qui ela parece um arubu. A bixinha é dia e noite chorano, pidino a tudo qui é santo qui ele num mati ela nao, mai eli todo dia diz qui ela num pasa de amanha..."
Padre Antonio, que já era homem de cor clara, parecia amarelado, suando e até mostrando-se um pouco trêmulo. Não estava acreditando no que lia. Teve que beber um pouco de água para continuar:
"Mai o fio de dona mundinha num faiz mardade só cum ela nao poi teve gente qui ja oviu a porpia mae dizê qui eli só pensa em fazê o mau as fia dos outo e so fala em pegá apusso minina nova. Diz qui vai pegá e tanto faiz matá ou nao esa vabunda e rapariga qui qué tod mundo mai so num qué eli. Diz qui vai pegá as minina novinha fazê o qui quisé adispoi interrá elas num lugá qui ningem vai incrontá mai nunca. e si os pai incrontá mata os pai tamem.
E ningem pensi qui num faiz nao qui eli faiz mermo, puriso é qui peso a todos pai qui num dexe ninhum fio chegá perto dele, nem andá sozim perto da casa dele pruge core risco deli pegá apusso fazê o ma feito e adispoi matá.
E pode fazê iso pruge eli diz qui aqi num tem puliça e qui inté o delegado é um viado safado. E dixi ainda qui num tem medo dos castigo de Deus pruqe inté o pade tamem é um viado veio.
Pru cauza diso tudo tenha certesa qui ese homi é um monstro. Qui Deus nos live dele.
Um arguem qui tem muinto medo. Pedimo providensa as autoridade".
Depois de ler a estranha carta, Padre Antonio desabou na primeira cadeira que encontrou. Colocou a mão direita diante dos olhos, ficou assim por uns dois minutos, depois se benzeu e olhou em silêncio para o delegado, que andava de um lado para outro de cabeça baixa e com as mãos para trás, e para Mehiel, que estava numa situação indescritível.
"E agora, o que me dizem dessa carta?", perguntou o delegado.
Foi quando Mehiel deu um passo à frente e falou: "Pode me prender. Confesso tudo que está aí nessa carta...".
"Mas meu filho!!!...", disse o velho sacerdote, levantando-se ainda mais assustado.
"Sou um monstro, podem me prender!", reiterou o rapaz, tranquilo e parecendo consciente do que dizia.
continua...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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