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segunda-feira, 11 de outubro de 2010

VIDA E MORTE DE "SEMELHANÇA" (Crônica)

VIDA E MORTE DE "SEMELHANÇA"

Rangel Alves da Costa*


Não conheci Semelhança como gostaria de tê-lo conhecido, nem convivi como gostaria de ter convivido. A fama que corre dele hoje em dia é merecida, um pouco exagerada, porém merecida, vez que todo mundo há de ser reconhecido pela vida, seja com fama ou sem fama. Afinal de contas, Semelhança era semelhante a todo mundo, daí o seu nome.
O seu nome verdadeiro ninguém sabe não, disso tenho certeza. Nem os seus parentes sabem informar corretamente se João, Raimundo, Antonio, Jesuíno ou outro nome qualquer. Acho que nem o próprio Semelhança lembrava mais do seu nome de batismo. Só se sabe que ele atendia a quem lhe chamasse por qualquer nome, mas principalmente de Semelhança. Ora, era semelhante a todo mundo.
Há muitas contestações e contradições sobre suas características e o seu jeito de ser. Mas era bom e ruim, feio e bonito, meio alto e meio baixo, muito educado e feito bicho do mato, doutor na leitura e nos entendimentos e analfabeto de pai e mãe, compreensivo demais e queixo duro, calmo que só uma pomba e arrogante igual facão raivoso, solícito demais e complicado até dizer chega, amoroso e grosseiro, pacífico e a brutalidade em pessoa, amigo e falso, valente e covarde, pessoa boa demais e verdadeiro bicho. Tudo isso diziam dele. Mas tinha que ser assim, afinal de contas era conhecido como Semelhança.
Conhecido por Semelhança porque possuía qualidades semelhantes a todas as pessoas, como as descritas acima. Numa pessoa só e todas as qualidades boas e ruins das outras pessoas; as virtudes positivas e negativas; as bençãos e os pecados, tudo. Porque as pessoas nunca são somente aquilo que acham que são, com características únicas e acabadas. São todas, na verdade, semelhantes a tudo que é bom e ruim, positivo e negativo.
Com Semelhança não era diferente, era semelhante. Quem o visse todo sorridente e brincalhão não sabia o que se passava com ele lá por dentro, no âmago aflito e entristecido. Do mesmo modo, quando era encontrado todo fechado e com cara de pouca conversa não significava precisamente que estivesse raivoso ou triste. O seu aspecto estava amuado, mas a pessoa em si era um poço de felicidade. Quantas pessoas não são assim? Ora, tudo tem semelhança; de alguma forma tudo é semelhante na vida.
Certa feita perguntei a Semelhança o que ele achava da vida moderna em comparação com os tempos mais antigos. E aí ele deu uma de filósofo. Daí dizer que tudo depende da situação que se queira tratar. Sobre o amor disse que este continuava o mesmo, mudando somente o valor que as pessoas passaram dar a ele e a forma de expressar esse sentimento. Sobre os jovens disse que a juventude vive o seu tempo, e que se nos tempos antigos os jovens não faziam tantas besteiras era porque não havia tantas besteiras pra se fazer.
Como se vê, igual a todo mundo Semelhança também era estudioso demais dos comportamentos, e crítico da vida e dos costumes igualzinho aos filósofos que estão em cada esquina, reunidos embaixo de pé de pau, conversando o que é e o que deveria ser. Todo mundo sabe a verdade, diz a verdade, possui a receita infalível para combater todos os males do mundo e dos tempos. Só que todo mundo sabe, todo mundo fala, mas ninguém age, nem consigo mesmo nem perante o outro para mudar nada. Igualzinho à Semelhança, sabem de tudo mas ninguém faz nada.
Um dia Semelhança morreu. Mas isso não importa não. Cada pessoa que vejo é como se visse Semelhança em tudo. E é por isso que acho que ele tinha razão quando dizia que ninguém se engane que dizendo que é pessoa única e sem igual, pois somos as outras pessoas e estamos nas outras pessoas, mesmo que achemos que estas são os nossos maiores inimigos.
Na vida e na morte somos iguais a Semelhança, pois somos semelhantes em tudo. Queiramos ou não, doa a quem doer...




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Caca disse...

A cada dia que vivo dou mais e mais razão ao Semelhança. A gente se diferencia apenas nos caracteres genéticos. Na essência, somos bastante semelhantes, estando muito próximos de iguais. A história da humanidade está aí de testemunha. Muito bom! Abraços. Paz e bem.