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domingo, 10 de outubro de 2010

SE A GENTE LEMBRA SÓ POR LEMBRAR... (Crônica)

SE A GENTE LEMBRA SÓ POR LEMBRAR...

Rangel Alves da Costa*


Se a gente lembrasse só por lembrar e não sofresse as cansequencias da lembrança, tudo seria diferente, tudo seria melhor e menos dolorido. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira já haviam pensado nisso:
"Se a gente lembra só por lembrar/ Do amor que a gente um dia perdeu/ Saudade inté que assim é bom/ Pro cabra se convencer que é feliz sem saber/ Pois não sofreu/ Porém, se a gente vive a sonhar/ Com alguém que se deseja rever/ Saudade intonce aí é ruim/ Eu tiro isso por mim que vivo doido a sofrer/ Ai, quem me dera voltar pros braços do meu xodó/ Saudade assim faz doer/ Amarga que nem jiló/ Mas ninguém pode dizer que vivo triste a chorar/ Saudade, meu remédio é cantar/ Saudade, meu remédio é cantar" (Qui nem jiló).
Pois é, se a gente não morresse um tantinho toda vez que lembrasse de pessoas, fatos e coisas que marcaram e marcam nossas vidas, o pensamento retornar ao passado mais distante seria apenas para confirmar uma alegria tida, um momento vivido, uma recordação festiva no coração. Mas não, tudo é mais difícil do que a gente imagina e quer, pois sempre ocorre é que a dor, a tristeza e a agonia pela ausência tomam o lugar daquilo bom que poderia ser revivido.
No amor, por exemplo, se a gente lembrasse só dos momentos encantadores, antes de todo o pranto, aonde viesse à mente a lembrança do primeiro encontro, do acaso que sempre ocorre em tais situações, do primeiro olhar, da aproximação e da presença diante do outro, da primeira palavra, do primeiro toque de mão e do primeiro beijo, tudo seria doce melodia e música nesse viajar de saudade.
Mas a mente é traiçoeira, corta caminho, pisa no espinho e entrecorta labirintos só para nos fazer chegar ao que seria melhor esquecer, não lembrar no momento, não lembrar nunca mais. E é precisamente para trazer angústias, para magoar e entristecer que as imagens ressurgem mais vivas do que nunca.
E depois disso resta ficar ainda imaginando como seria bom se nada de ruim tivesse acontecido, pois ainda ama demais e disso parece não poder fugir. E então não lembra somente do amor de um dia, mas também dos encontros e desencontros, de tantos beijados dados, de mãos tão apertadas caminhando felizes por aí, de corpos tão unidos, das palavras repetidas somente para confirmar o que não restou confirmado: eu te amo, te amo, te amo!...
Noutras vezes a lembrança chega para nos confrontar e mostrar que quanto mais o tempo passa mais nos tornamos medrosos e cúmplices de nós mesmos. Os erros banais de um dia, que serviriam como lições agora, voltam à mente não para ensinar e sim para dizer do quanto somos incapazes de aprender com as duras lições de ontem. E por não aprender com o erro é que a pessoa se torna vulnerável a qualquer desafio, até mesmo em situações que não precisariam maiores temores.
Por isso mesmo é que se a gente lembrasse só por lembrar não choraria essa lágrima, não temeria essa lágrima, não seria muito mais frágil do que qualquer lágrima. As pessoas que foram boas e importantes em nossas vidas não são lembradas porque foram assim, mas porque estão ausentes, muitas vezes não podem mais ser encontradas, e também porque jamais aceitamos a distância e a morte como fatos naturais, mas sim como algo completamente injusto.
Se a gente lembrasse só por lembrar não temeria a janela nem o final de tarde, não teria a certeza da lágrima com o recordar. Mas como o meu amor era belo, com os cabelos esvoaçando ao vento e nós ali no alto daquela montanha onde tudo era azul. E como eu te amo ainda, e como dói recordar, e como dói saber que o que restou foi somente a saudade. E tudo começa a doer, e amarga que nem jiló...



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

Um comentário:

Anônimo disse...

lembrar palavra por palavra desta crônica que nos ensina verdadeiramente a lembrar, a chorar e a continuar amando deveras a vida!
Uma mente assim desarruma palavrinhas chamadas mágoa, rancor, hipocrisia...e nos leva a momentos verdadeiros.
Não sou um robô! Um abraço de vovó Miriam.