Rangel Alves da Costa
Depois de
mais de muito tempo sem chover, e continuando dia e noite sem cair uma gota d’água,
com tudo secando e virando pó, de repente o sertanejo começou a pular, a correr
de canto a outro e gritar “Choveu no sertão, choveu no sertão!”. Estava doido
de pedra, completamente enlouquecido.
Foi
preciso a vizinhança acorrer desesperada, tentando socorrer o amigo ensandecido
de dar dó. Tendo corrido pra se trepar num velho e magro pé de mandacaru e de
lá de cima anunciar a boa nova caída dos céus, de lá se estrebuchou com tronco espinhento e tudo, mas continuando a
dizer “Choveu no sertão, choveu no sertão!”.
Ao ser
retirado de cima do encanecido cacto símbolo sertanejo, com parte do corpo
tomada de espinhos secos mas ainda perfurantes, por cima dos frangalhos de pano
e grudados na pele ossuda, chorava feito criança, porém sem derramar um fio
sequer de lágrima. Os olhos estavam secos, esturricados, num brilho que parecia
de bicho raivoso.
Coitado do
homem. Aquele estado de loucura, de repentino ensandecimento, refletia apenas a
cruel situação daquilo que todos estavam vivendo, pois todos à beira da
demência, da insanidade, da perda completa do juízo diante de quadro tão
devastador e agonizante como aquele apresentado pela sua terra sertaneja. O
sertão de lua tão bela, desde muito somente uma terra de sol escaldante.
Era seca
feia, braba, feroz, arrepiante. Era estiagem inclemente, desafiadora, que já
tendo secado tudo, emagrecido tudo, matado impiedosamente, e agora tentando
minar o juízo de quem ainda imaginava possuir cabeça para pensar. E pensar em
profundidade sobre aquela situação, lançar o olhar perante a nua realidade, era
quase certeza de enlouquecer. Como realmente havia acontecido.
E o homem
endoidou por causa disso. A visão da seca desalmada, da desesperança em tudo
adiante, tudo fervilhou na cabeça, desfigurou o juízo. Desde o amanhecer ao anoitecer que não pensava
noutra coisa senão matar a sede e a fome dos meninos e do restinho dos animais.
Saía ao redor da morada e logo começava a avistar a fumaça encobrindo aqui e
ali, num fogaréu que nascia do sol em fagulhas.
Pelos
pastos acinzentados, de vegetação já completamente carcomida e tristemente se
deixando levar pela ventania, as carcaças dos animais se estendendo junto às
pedras e espinhos. No calor insuportável, as cobras sobreviventes se escondendo
nas locas, uma ou outra lagartixa pulando de pedra em pedra fugindo da labareda
de cada lugar.
Não havia
mais preá nem teiú, não restava mais qualquer animal que pudesse ser caçado
para matar ou enganar a fome. E a meninada morderia tudo com maior gosto, de
lamber os beiços. Mas tudo se, se alguma coisa restasse. Criancinha se danava a
encher a mão de barro e levar à boca; um meninote foi encontrado mordendo um
calango. Vivo.
Comer o que, dar o que à filharada? A urtiga e
a cansanção, aquelas mesmas plantas cuja pele causa ardência e queimação, já
havia servido de mesa e sobremesa para muita gente. Depois de ter a pele retirada
é possível obter uma carne esbranquiçada, macia e comestível. Contudo, também
não suportaram a secura da terra e a falta de pingo naqueles descampados de
desolação. Não havia nem mais urtiga nem cansanção.
Se haveria
de pensar que ainda era possível encontrar as plantas cactáceas tão próprias do
sertão e que suportam as estiagens bem mais que homens e animais. Diante do
quadro dantesco, da insuportável situação, seria um erro pensar assim. Por
muito tempo o gado se alimentou unicamente de palma, mas agora não existia
mais. E muito menos farelo ou qualquer outro tipo de ração.
E foi
diante de um quadro assim, e muito mais realista pisando na terra ardente e
mirando o sol inclemente, que o valente sertanejo enlouqueceu. Saiu porta afora
ouvindo o filho chorar faminto, avistou adiante o cachorro morto estendido na
malhada, olhou para cima e o sol esturricou o que lhe restava de juízo.
E então,
debaixo do ensolarado sofrimento, danou-se a gritar “Choveu no sertão, choveu
no sertão!”. E que tristeza, meu Deus, é a loucura da seca, do aflição, da
desvalia.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro amigo Rangel: Não sei se nas terras de Poço Redondo as chuvas têm sido constante. Acredito que aí na sua segunda terra - Aracajú, chove bastante por ser região litorânea. O que sei é que aqui em nosso meio-sertão - Serrinha -,depois da grande estiagem do ano passado,além de ter havido um excelente inverno de plantação, continua chovendo neste outubro de primavera onde talvéz alguém queira começar uma nova plantação devido a lembrança da seca que assolou a região. São coisas dos nossos sertões.
Abraços,
Antonio Oliveira - Sesrrinha-Ba.
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