Rangel Alves da
Costa*
Das tardes
às sombras tamarineiras, no frescor da aragem sertaneja, muita coisa guardei na
algibeira do tempo, no embornal da estrada, no alforje de caçador.
O vento
soprava manso, arrastava uma folhagem ou outra, deixava a estrada aberta para a
chegada dos velhos amigos. E ia chegando um a um, quase sempre na mesma leveza
da folha.
Chapéu de
palha ou de couro, sandálias de couro cru, roupa desgastada pelo uso, o velho
azul sertanejo que um dia vai ficando sem cor. Um cigarro de palha, um olhar
solenemente distante, um jeito simples de ser.
Que jeito
admiravelmente bonito é esse do autêntico sertanejo. Reconhecido na sua
andança, no seu encontro, na descrição ou na fotografia, sempre aquele aspecto
de tenacidade e força na feição queimada de sol.
Boa tarde,
boa tarde. Se achegue compadre, vá se ajeitando aí por cima do tronco velho,
arraste esse tamborete pra cá, a pedra é sempre um bom lugar pra sentar. E o
silêncio seguinte ia sendo entrecortado por poucas palavras.
As
conversas primeiras eram sempre as mesmas. Falavam do tempo seco, do céu aberto
demais para dar esperança de chuvas, da vida já muito difícil pelos arredores,
da incúria dos homens e da sina matuta.
Mas depois
as palavras amenas, mais descompromissadas, puxadas pela ideia de cada
instante. Contudo, estas chegavam repletas de sabedoria, como grãos de vivência
e conhecimento de mundo espalhados naqueles instantes.
E a aragem
caminhante por certo recolhia tais lições para levá-las adiante, nas páginas
das folhas esvoaçadas. E pelos cantos da cidade chegavam para se abrir diante
dos mais jovens e de todos aqueles que quisessem conhecer os grãos da
sabedoria.
Sabedoria
matuta, lição sertaneja, conhecimento frutificado do homem simples, humilde,
sem conhecimento das letras, porém com a formação maior na academia da vida. E
escreve a verdade com a palavra da experiência.
Das
páginas escritas nas folhas esvoaçantes do entardecer, levadas pelo vento manso
sem destino certo, ainda hoje guardo aqueles imorredouros livros de meus
conterrâneos. Por isso faço do embornal e do alforje a estante onde mantenho as
velhas e tão atuais lições, e todas recolhidas como grãos de sabedoria.
“Na
primeira visão da alvorada e já se avista a esperança ou o desalento. Basta
olhar adiante, um pouco mais acima, no horizonte, para saber se o dia será de
nuvem chuvosa ou de sol escaldante. Se o amarelado da barra não der bom sinal,
então só resta a clemência divina”.
“Esse
vento que vem e que passa não quer dizer nada para muita gente. Mas é a
ventania que diz como está o sertão. Se as folhagens se sacodem na sua
passagem, os gravetos se movem e a natureza começa a zunir, então mudança boa
vai acontecer. Mas se o sopro não mover um graveto sequer e as folhas parecerem
mortas, então pode sentir que o calor vai aumentar e a desesperança também”.
“É pelos
mais jovens que a gente conhece se as nossas raízes estão sendo preservadas.
Quando o sertanejo passa a ter vergonha de seu berço, de sua raiz e do seu
povo, então muito está mudando para pior. Quando a meninada renega e desconhece
o jeito de ser sertanejo e caminha pelos lados desconhecidos, então é o próprio
sertão que tende a ser renegado, a ser desconhecido como berço e lar”.
“O sertanejo
sempre respeitou os mais velhos, sempre foi religiosamente devotado, sempre
despertou encorajado para as lides do dia a dia. Já não será mais tão sertão
quando o desrespeito vingar na própria casa, junto à família, e daí se espalhar
nas demais relações. E sem respeitar o próximo nada mais será proveitoso no
homem”.
“Quem não
ama sua terra renuncia onde pisa. Mesmo que um dia não beba mais da água do
pote nem da velha morinha, ainda assim haverá de lembrar que nada se eterniza
como os frutos da terra, como o barro visguento que faz o homem e molda a
existência”.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Caro Rangel: Esta sua crônica me faz lembrar muitos dos meus diálogos com pessoas simples sertão-a-fora nas comunidades onde trabalhei como Agente de Tributos da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia. Aprendi muito com pessoas humildes dos nossos sertões divisórios Bahia/Sergipe, em especial em Lagoa Redonda, ao lado de Tobias Barreto.
Certa feita, num momento de folga do meu plantão no posto de fiscalização, conversava com meu vizinho transitório sobre as coisas do dia-a-dia, e ele me dizia que tinha imenso respeito nos momentos de tempestades, porque "era DEUS falando conosco". Fiz uma reflexão e lembrei-me quando DEUS falava com Moisés no cume do Monte Sinai entregando as Tábuas da Lei. Naquele momento DEUS falava ao povo através do trovão (ex. 19.16-19). Assim caro Rangel, posso entender o conteúdo de OS GRÃOS DA SABEDORIA.
Abraços,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha-Ba.
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