Rangel Alves da
Costa*
Todas as
vezes que ouço a música “Menina”, composta e interpretada por Paulinho
Nogueira, minha memória alça voo e vai pousar no umbral de uma janela distante.
Meus olhos avistam a flor da vida inteira, minhas mãos querem tocar as pétalas,
meus lábios desejosos de sentir o néctar. Bela flor, bela flor!
Não que
eu, com idade mais avançada, tivesse visto a menina nascer, acompanhado seus
passos de infância, testemunhado o surgimento de tanta beleza desde a meninice
e adolescência. A menina trilhou seus caminhos sem minha presença, sem o meu
olhar primeiro.
E também
não que eu, a conhecendo, nela um dia tivesse fixado o olhar e profetizado que
seria a mais bela flor do lugar. Os olhos não precisam profetizar diante das
realidades, a imaginação não necessita supor diante do que inevitavelmente
acontecerá, eis que tudo existirá com determinada feição ainda que entre
desconhecidos e distantes.
Na
verdade, até hoje não sei se essa menina existe, ao menos assim com a feição
que imagino ao ouvir a canção. E ao imaginá-la existente, ainda assim não
significa que a visão surgida esteja moldada ao que a letra da música procura
transmitir. E a canção sintetiza apenas um reencontro que desperta um singelo
sentimento amoroso, sem a pieguice de dizer que o destino havia colocado
novamente os dois frente a frente.
Mas acaba
pressupondo assim. Um homem reencontra uma mulher e ao apreciar tamanha beleza
logo se põe a imaginar que no passado ela havia sido apenas uma menina em seu
colo, uma criança brincando ao seu redor. E na sua inocência dito que quando
crescesse casaria com ele. O reencontro desperta todos esses pensamentos e ele
não pode fugir da realidade.
E a
realidade de então, quando os dois são adultos, mesmo ele sendo mais velho,
acaba despertando nele um misto de saudosismo, de afeto e de amor. E se indaga
o porquê daquele desejo despertado precisamente naquela que viu nascer um dia. E
pensa na promessa inocente do passado como uma possibilidade real. Sabe que ela
também guarda um segredo em seu coração.
A canção
de Paulinho é uma doce poesia, um relato da descoberta inusitada de um amor.
Uma menina, uma mulher, uma beleza, a promessa do passado, a esperança. Um
homem surpreendido, suas recordações e o inevitável desejo. Assim como tanto
acontece nos acasos e caminhos da vida, quando a pessoa menos espera e se vê
diante de pessoa que parece haver nascido para compartilhar sua vida. Eis a
letra da canção:
“Menina, que
um dia conheci criança/ me aparece assim de repente/ linda, virou mulher/ Menina,
como pude te amar agora/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir/ te
carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir/ Lembro a menina feia, tão
acanhada e de pé no chão/ Hoje maliciosa, guarda segredos em seu coração/ Menina/
que quantas vezes fiz chorar/ achando graça quando ela dizia: quando crescer
vou me casar com você/ Menina/ por que fui te encontrar agora/ te carreguei no
colo menina, cantei pra ti dormir/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti
dormir”.
Mas a
menina que me vem à mente ao ouvir a canção se apresenta noutra realidade. Não
reapareceu de repente, não foi colocada no meu colo na infância nem despertou uma
repentina sensação amorosa. É apenas a menina, ou uma menina, fixada num tempo
da memória e assim permanecendo tão bela na sua janela.
A canção
serve como paisagem à imaginação que vai encontrar a bela menina num lugar
qualquer, numa janela qualquer, numa tarde qualquer, mas sempre com sua flor no
cabelo, flor na feição, flor no sorriso e em tudo. Talvez uma menina que mesmo
entristecida ao entardecer não perde sua beleza e seu encanto.
Uma menina
que talvez não exista na feição e moldura que desejaria existente, mas que pode
ser avistada na janela assim tão linda, tão doce, tão singela como a flor mais
bela. Uma menina assim que tanto desejaria encontrar um dia para dizer de todo
amor mantido em segredo pelo coração.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Um comentário:
Feliz sábado!
Harmonia perfeita entre text e imagem.
Gostei.
Apareça no Perseverança, seja bem vindo.
Nicinha
Postar um comentário