SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 11 de outubro de 2014

MENINA


Rangel Alves da Costa*


Todas as vezes que ouço a música “Menina”, composta e interpretada por Paulinho Nogueira, minha memória alça voo e vai pousar no umbral de uma janela distante. Meus olhos avistam a flor da vida inteira, minhas mãos querem tocar as pétalas, meus lábios desejosos de sentir o néctar. Bela flor, bela flor!
Não que eu, com idade mais avançada, tivesse visto a menina nascer, acompanhado seus passos de infância, testemunhado o surgimento de tanta beleza desde a meninice e adolescência. A menina trilhou seus caminhos sem minha presença, sem o meu olhar primeiro.
E também não que eu, a conhecendo, nela um dia tivesse fixado o olhar e profetizado que seria a mais bela flor do lugar. Os olhos não precisam profetizar diante das realidades, a imaginação não necessita supor diante do que inevitavelmente acontecerá, eis que tudo existirá com determinada feição ainda que entre desconhecidos e distantes.
Na verdade, até hoje não sei se essa menina existe, ao menos assim com a feição que imagino ao ouvir a canção. E ao imaginá-la existente, ainda assim não significa que a visão surgida esteja moldada ao que a letra da música procura transmitir. E a canção sintetiza apenas um reencontro que desperta um singelo sentimento amoroso, sem a pieguice de dizer que o destino havia colocado novamente os dois frente a frente.
Mas acaba pressupondo assim. Um homem reencontra uma mulher e ao apreciar tamanha beleza logo se põe a imaginar que no passado ela havia sido apenas uma menina em seu colo, uma criança brincando ao seu redor. E na sua inocência dito que quando crescesse casaria com ele. O reencontro desperta todos esses pensamentos e ele não pode fugir da realidade.
E a realidade de então, quando os dois são adultos, mesmo ele sendo mais velho, acaba despertando nele um misto de saudosismo, de afeto e de amor. E se indaga o porquê daquele desejo despertado precisamente naquela que viu nascer um dia. E pensa na promessa inocente do passado como uma possibilidade real. Sabe que ela também guarda um segredo em seu coração.
A canção de Paulinho é uma doce poesia, um relato da descoberta inusitada de um amor. Uma menina, uma mulher, uma beleza, a promessa do passado, a esperança. Um homem surpreendido, suas recordações e o inevitável desejo. Assim como tanto acontece nos acasos e caminhos da vida, quando a pessoa menos espera e se vê diante de pessoa que parece haver nascido para compartilhar sua vida. Eis a letra da canção:
“Menina, que um dia conheci criança/ me aparece assim de repente/ linda, virou mulher/ Menina, como pude te amar agora/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir/ Lembro a menina feia, tão acanhada e de pé no chão/ Hoje maliciosa, guarda segredos em seu coração/ Menina/ que quantas vezes fiz chorar/ achando graça quando ela dizia: quando crescer vou me casar com você/ Menina/ por que fui te encontrar agora/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir/ te carreguei no colo menina, cantei pra ti dormir”.
Mas a menina que me vem à mente ao ouvir a canção se apresenta noutra realidade. Não reapareceu de repente, não foi colocada no meu colo na infância nem despertou uma repentina sensação amorosa. É apenas a menina, ou uma menina, fixada num tempo da memória e assim permanecendo tão bela na sua janela.
A canção serve como paisagem à imaginação que vai encontrar a bela menina num lugar qualquer, numa janela qualquer, numa tarde qualquer, mas sempre com sua flor no cabelo, flor na feição, flor no sorriso e em tudo. Talvez uma menina que mesmo entristecida ao entardecer não perde sua beleza e seu encanto.
Uma menina que talvez não exista na feição e moldura que desejaria existente, mas que pode ser avistada na janela assim tão linda, tão doce, tão singela como a flor mais bela. Uma menina assim que tanto desejaria encontrar um dia para dizer de todo amor mantido em segredo pelo coração.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com 

Um comentário:

PERSEVERÂNÇA disse...

Feliz sábado!
Harmonia perfeita entre text e imagem.
Gostei.
Apareça no Perseverança, seja bem vindo.
Nicinha