*Rangel Alves da
Costa
Naquele
Poço Redondo do passado, dois cheiros eram inconfundíveis: o do café de Dona
Lídia e o fígado acebolado de Dona Jarde. O café torrado, peneirado e feito em
fogão de lenha de Dona Lídia, era realmente coisa de encantar. Quem estivesse
na Rua de Baixo ou na Rua de Cima, ou mesmo noutras lonjuras da cidade, não
havia como deixar de sentir, sempre ao entardecer, um pouco antes da boca da
noite, aquele aroma perfumado subindo pelo ar, inebriando o olfato, atiçando os
gostos e as vontades.
Com o
fígado acebolado de Dona Jarde não era diferente. A esposa de João Lameu
possuía venda de comida de feira numa das laterais do mercado (onde hoje
funciona a venda de Luiz Carlos). Funcionava todos os dias, mas as caldeiradas
de carne nova, os guisados e os cozidos, além de assados e muito mais, eram
encontrados em abundância nos dias de feira, quando visitantes e feirantes
podiam se fartar daquele tempero famoso. Mas o seu fígado acebolado possuía
especial distinção, pelo sabor e o aroma que exalava pelos ares sertanejos.
Muita gente da cidade ia ali somente para pedir uma porção e depois tascar
farinha por cima. E a conta um quase nada.
Por
relembrar o esposo de Dona Jarde, o igualmente inesquecível João Lameu, também
rememoro uma história dando conta de como ele enriqueceu na estrada entre a
cidade e a fazenda Santa Rita, onde era vaqueiro. Tudo aconteceu assim. Depois
de tomar umas cangibrinas a mais no dia da feira, aguardente da boa com casca
de pau, João Lameu já tomou o caminho de casa mais pra lá do que pra cá. Com o
tempo já escurecendo, eis que o vaqueiro encontra uns restos de carcaça de vaca
e não tem dúvida: é ouro! Não se sabe se jogou fora a feira que levava, mas a
verdade é que encheu o saco de osso de vaca. Ao chegar à porteira, num pé aqui
outro acolá, foi logo gritando: “Jarde, minha fia, tamo rico. Oi aqui quanto
ouro eu achei!”. Não se sabe se Dona Jarde tacou-lhe o tesouro nas fuças, mas a
verdade é que essa estripulia acabou se espalhando.
O tempo
passa e a gente vai vivendo novas situações que nem parecem com aquelas dos
tempos idos. As festas de agosto são exemplos disso. Quem teve o prazer e a
felicidade de vivenciar uma festa dançante nos tempos idos, certamente nem vai
considerar como festa o que hoje se tem. Já escrevi sobre isso num texto que
denominei “Baile Antigo”, onde, dentre outras coisas, citei:
“Naqueles
tempos, as bandas eram concorridíssimas em toda a região nordestina.
Indubitavelmente, a melhor de todas era a sergipana Los Guaranis, ainda ativa
em Lagarto. Mas também outras como Lordão, Tuaregs, R Som 7, Embalo D e
Dissonantes, dentre outras. E quanto mais aparelhagem e jogos de luzes mais
eram apreciadas.
E quando
se falava em baile com nome de banda boa, então a festa passava a ser o comentário
principal da cidade e redondezas, com a moçada ansiando pelo grande dia.
Momento único para conhecer novas pessoas, para começar namoros ou simplesmente
curtir, como diziam por lá. Na festa de agosto, na comemoração da padroeira da
cidade, era certeza de baile. Roupa nova, sapato engraxado, expectativa, era só
esperar o momento chegar.
Naqueles
bailes antigos do mercado, era uma música internacional cantada por um grupo
brasileiro aquela que mais cativava. Quando a banda começava “My mistake”, do Pholhas,
todos pareciam tomados de emoção, com sentimentos aflorados, instigados ao
romantismo. E seguiam para
dançar de rostinhos colados, deliciosamente apaixonados.
E a inesquecível e inebriante canção:
There was a place that I lived/ And a girl, so young and fair/ I have seen many
things in my life/ Some of them I'll never forget/ Everywhere.../ I was sent to
prison/ For having murdered my wife/ Because she was living with him/ I lost my
head and shot her…
Tempos
bons. Romantismo nostálgico. Mas eis que os anos... Ah! O tempo, o tempo...”.
Como pelos
arredores do mercado era quase tudo de ruas e becos escuros, já se aproximando
dos quintais, então os namoros se perdiam na escuridão. E por isso mesmo muita
mocinha e rapazinho sem saber o caminho de volta. Mas aí é outra história.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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