*Rangel Alves da
Costa
Como os
olhos avistam os retratos que amam? Como os olhares enfrentam as saudades
emolduradas em fotografias? Como os olhos reagem ao sentirem que também estão
sendo olhados por quem sorri na fotografia?
Como os
olhares se esforçam para não embaçar, de lágrimas e aflições, os vidros
amarelados por cima dos retratos antigos na parede? Como os olhos permanecem
após os reencontros, palavras silenciosas e diálogos do coração? Como conhecer
a relação amorosa e angustiante entre os olhares e os retratos?
Não é
fácil gostar, amar, aprender a conviver, fazer do convívio até uma necessidade,
e depois ter de dar adeus. E, além do eterno sentir, também a presença avistada
nos álbuns, nos porta-retratos, nos retratos na parede. Então vem um desejo
incontido de ouvir a voz, de abraçar, de beijar, de dizer como é bom sentir a
sua presença. Mas...
Mas nada
mais é possível, senão fazer da lembrança uma forma de jamais se distanciar,
senão fazer da recordação um doloroso convívio, senão fazer da saudade a
proximidade máxima que se possa ter. Queria tudo reviver, queria novamente
compartilhar, dizer de mais amor, dizer tudo aquilo que o tempo não permitiu,
mas só tem o retrato diante si.
Um retrato
na parede não é somente um retrato na parede. Assim também com aquelas velhas
fotografias nos álbuns, porta-retratos e penteadeiras. Mesmo a pessoa
fotografada estando presente, ainda assim muito do retratado acaba despertando
sentimentos que vão além das alegrias. O próprio tempo, e com ele a idade, faz
com que os retratos espelhem outras vivências, faces e feições, que as
cicatrizes insistem em modificar.
A criança
alegre, sorridente, de cabelo bem penteado, e agora uma face enrugada e de
olhar profundamente tristonho. Uma família reunida, todos bem vestidos, em pose
diplomática, mas então se percebe o quanto dali já não existe mais. E não
existe pelos adeuses inesperados, pelas dolorosas despedidas, pelos caminhos
trilhados ao além. Depois de tanto e de tantas ausências, avistar uma fotografia
assim não é todo olhar que suporta. Os rios, as enxurradas, os oceanos
infindos.
Uma casa e
suas paredes. Um álbum e suas memórias. Um velho baú e seus escondidos. Um
olhar que se modifica a cada encontro assim. A saudade é sentida, a lembrança
revivida, mas a pessoa caminha de canto a outro sem o chamado à dor. Contudo,
basta que olhe para o retrato antigo, em preto e branco, emoldurado, ou mesmo
colorido e mais recente, e tudo se põe num limite insuportável. Não quer
sofrer, mas não pode se afastar do retrato. Não quer chorar, mas o retrato lhe
estende um lenço.
Mas nem
toda pessoa emerge sentimento perante uma fotografia. Os retratos nada
significam perante aqueles que não dignificam as presenças. Não sente saudade
aquele que pouco se importou com o convívio, que não amou, que não cultivou a
semente maior de ser um ser noutro ser. Será preciso sensibilidade,
reconhecimento da importância, como se fosse uma parte de si que ali também
está retratada. E não deixa de assim ser. O amor enraíza na alma. E para a
eternidade ainda se colhe desse fruto imorredouro.
Minhas
fotografias estão na parede e no coração. Meus olhos jamais se cansam de
avistá-las, e também de sofrer e chorar. Não nego o sofrimento que sofro, o
padecimento que padeço, a aflição que me invade. Não apenas sentimento ou
sensibilidade, mas, e muito mais, a certeza de que também ali estou. Ou de que
ali também sou eu. E disso não posso duvidar. Os meus olhos de agora serão,
mais tarde, amanhã ou depois, outros olhares que para aquela mesma parede se
voltarão.
E para a
minha fotografia!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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