*Rangel Alves da
Costa
Muitos
afirmam - e com plena razão - que as ruas possuem alma, possuem espírito,
traduzem no seu âmago todo jeito de ser e sentir de uma cidade. E de seu povo.
Neste
sentido, as ruas também traduzem o espírito e a alma das pessoas, de seus
transeuntes e caminhantes. Tornam-se, assim, o reflexo dos sentimentos de seus
andantes.
Quando as
pessoas entristecem, caminham desoladas, vão e voltam sem as costumeiras
alegrias nas faces, então também as ruas entristecem. E também se atormentam.
Pessoas
passando alegres, em sorridentes diálogos, sem pressa e sem atropelos, vão
repassando às ruas um contentamento compartilhado, um encanto diferenciado.
Por vezes,
quando acostumadas com caminhantes na leveza da paz, as ruas até se esquecem de
suas solidões. Nos noturnos, quando o vazio se faz, ainda assim elas são
felizes.
Contudo,
nada mais doloroso às ruas que suportar pessoas sobrecarregadas de angústias e
aflições pelos seus percursos. É como se as amarguras nublassem os espaços.
Não há rua
triste com um povo feliz. Não há rua amargurada com um povo que passa contente.
Não há rua sofrida com um povo que caminha cheio de sorrisos e planos.
Mas não há
rua feliz quando o seu caminhante passa cabisbaixo, descontente, sofrido. Não
há rua alegre com o passante levado na face e no olhar toda a angústia do
mundo.
E as ruas
estão tristes, feias, angustiadas. Mas por que as ruas estão assim? Ora, há um
povo que passa sem canto, sem verso, sem poesia. Há um povo que passa carregando
a dor.
As ruas
não gostam que seus caminhantes passem mal vestidos, esfarrapados, com roupas
sujas, quase como mendigos. E pessoas que não passavam assim, agora passam.
As ruas
não gostam de situações deprimentes, mas não por que sempre queiram coisas
belas no seu percurso, e sim pelo fato de conhecer as causas e os motivos de
tais realidades.
As ruas
não suportam olhos aflitos, feições desesperançadas, desânimo de passo a passo.
Mas cada vez mais as pessoas passam assim, carregando à mão as contas não
pagas.
As ruas se
atormentam quando pessoas sentam sobre seus bancos e dialogam somente misérias,
problemas, desilusões, aflições. Por que tem de ouvir, então entristece ainda
mais.
Tempos,
tempos aqueles onde os diálogos eram de conquistas, de realizações, de
acontecidos bons e esperanças vindouras. Confessam-se as ruas. E confissões que
doem.
E se dizem
ainda as ruas: Não havia tantas pessoas pedindo esmolas, mendigos demais pelas
portas das igrejas, tantas mãos estendidas, crianças chorosas na procissão da
miséria.
E dizem mais
a si mesmas: Os hippies, esses cabeludos chegados de outros caminhos, escolhiam
beirais de praças para seus comércios. Mas agora tomam as calçadas dos centros.
Ademais,
mesmo nas regiões mais centrais, o comércio ambulante se alastra
espantosamente. Mesmo sendo uma necessidade, a desordem acaba enfeando as
cidades.
Tais
situações vão tornando as ruas cada vez mais entristecidas. E tomadas de uma
aflição que reconhece difícil de acabar, eis que as pessoas estão cada vez mais
deprimidas.
É tudo
como se tudo estivesse num mar revoltoso. As pessoas caminham em busca de
salvação. Não há motivo de alegria, de sorriso, de felicidade. O tempo é de
difícil tempestade.
Não é
outono, mas as ruas se enfeiam com folhas secas e mortas. Mas não são folhas de
árvores, e sim os restos e as imundícies que se acumulam e esvoaçam sobre o seu
leito.
Tanto faz
a lixeira, assim para a maioria das pessoas. A rua é para se encher de papel,
de ponta de cigarro, palito de picolé, propaganda e muito mais. Assim na mente
das pessoas.
E também
as pedras que se descolam e vão abrindo buracos, os bancos que vão perdendo
seus assentos, os gradis que são derrubados, o caos. Tudo no âmago das ruas.
Não é,
pois, sem motivos, que as ruas tanto sofrem. E sofrem mais ao saber que quanto
mais a crise vai arruinando a vida do povo mais os seus dias também serão de
tristezas.
Nas
tristezas, desânimos e desalentos do povo, tanto faz as ruas existirem ou não.
Tornam-se esquecidas. As pessoas apenas passam, apenas seguem tentando
sobreviver.
Mesmo apinhadas
de gente, não há como não sentir uma profunda solidão. Nenhum namorado diz uma
palavra de amor. Ninguém senta num seu resto de banco levando uma flor.
Sim, em
tempos assim, de crise, pobreza e desilusões, as ruas tanto faz. Também as
pessoas quase tanto faz em si mesmas. Não há autoestima que pague uma conta
atrasada.
E quando o
sol se põe e as ruas começam a esvaziar, logo se imaginaria que elas retomassem
a paz. Mas não. As ruas não adormecem quando muitos não conseguem dormir.
Cai um
sereno noturno, depois a chuva. Tudo solitário e tudo vazio. E as lágrimas das
ruas também vão escorrendo pelas pedras cansadas pelos passos dos aflitos. Tudo
tristeza.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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