*Rangel Alves da
Costa
Quem dera
meu Deus, quem dera eu poder fazer do meio do mato meu canto e recanto de vida
e vivência. E, afastado desse mundo humano demais, ter a paz e o sossego que
tanto necessito na alma.
O calango
não tem falsidade. A cobra não é tão perigosa quanto certas pessoas. O bicho do
mato não quer comer suas entranhas com o olhar. A cansanção é mais suave e
terna que o seu conhecido. A urtiga é carícia diante da língua do povo.
Deus, oh
Deus! Que eu não me perca na senda das falsas ilusões nem nas searas das
impossibilidades. Tenho espírito e alma para preservar na bondosa ação e não
para deixar que se queimem em meio às fornalhas e labaredas das calçadas,
esquinas, ruas e escondidos.
Quem dera
poder viver na humildade que não denigre e não diminui. Quem dera poder
amanhecer sem a dor de ter adormecido sangrando pela navalha da discórdia, da
injustiça, da perseguição. Nada mais dói que conviver com feras e ter de
sangrar por dentro para a elas não se igualar.
Deus, oh
Deus! Que as experiências de tristezas e sofrimentos não se transformem em
cotidianos nem em passivas aceitações, que as feridas não se mantenham abertas
perante os vermes do mundo e que estão por todo lugar, ávidos por impregnar
ainda mais a vida de angústias e aflições.
Quem dera
meu Deus, quem dera eu poder estender minha rede de pau a outro, ou mesmo
debaixo de um velho umbuzeiro matuto, e acordar somente com a ventania dançando
sua valsa ou o entardecer me chamando ao fogo de chão. E, graveto a graveto a
graveto, lenha a lenha, fazer o café borbulhar na velha chaleira.
Não, não
me purifiquei, não passei por qualquer experiência de transformação, não vivi
em clausura monástica para passar a avistar o mundo e essa realidade de modo tão
diferente. Apenas uma razão: está insuportável viver assim. Em tudo a política,
a discórdia, a briga, a falsidade, a mentira. Quanta mentira, meu Deus!
Creio ser
possível continuar sendo o que sou sem ter de me submeter a tudo isso. Nasci
para amar, não para odiar. Nasci para partilhar, não para separar. Nasci para
conviver, não para me afastar. Nasci para viver sentimentos, não para me
petrificar. Não, não serei aquele que se maculou pela oferta vã ou pela
promessa irrealizável.
Não nasci
para suportar calado o absurdo, a aberração, o contrassenso em tudo. Mas vou
brigar com o mundo? Não. Que o circo da cruel realidade chame suas feras a se
abocanharem. Eu não nasci para um mundo assim. Eu não sou assim. Por isso mesmo
que preciso de uma possível paz na distância.
Por isso
que tanto desejo ter uma casinha de cipó e barro no meio do mato, o mais longe
possível dessa perversa realidade. Que eu possua apenas o necessário à
sobrevivência e o que de mim jamais poderá se afastar: lápis e pedaço de papel.
E para escrever, escrever, escrever... Não há coisa na vida que eu goste mais
de fazer.
Dia
desses, ao sair de grupos de bate-papo, eu simplesmente disse que estava
cansado. E estou cansado mesmo, muito cansado. Mas não um cansaço de estafa, de
estresse, de exasperação. Apenas o cansaço da mesmice, da percepção do convívio
com lobos e pessoas querendo fazer com que os outros se fanatizem para garantia
e permanência de suas benesses.
Tudo isso
cansa. E cansa demais. Não sou rico, não tenho carro, não tenho dinheiro
guardado em banco. Mas tenho a maior das riquezas: Deus me veste como o lírio
do campo! E “Observai como crescem os lírios do campo. Nem Salomão, em todo o
esplendor de sua glória, vestiu-se como um deles”. Assim no evangelho de
Mateus.
E lá no
meu meio de mato o amigo sempre será bem recebido. E terei uma palavra a dizer:
Que o teu coração venha contemplar, ao meu lado, a grandeza na simplicidade e
na humildade da vida!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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